ILUSTRAÇÃO: REINALDO_2010
Craque não precisa jogar
Embora sem ter atuado ultimamente, Uevinho Catarinense continua a ser o mais caro jogador do planeta. E pleiteia uma vaga na Seleção
Marcos Caetano | Edição 43, Abril 2010
Meu nome é Uéverson Rosicley dos Santos, tenho 26 anos e sou conhecido como Uevinho Catarinense, o melhor jogador do mundo das últimas três temporadas. O apelido surgiu quando eu jogava no Hercílio Luz junto com outro garoto, um paranaense chamado Uéversandro. Aí decidiram chamar a gente de Uevinho Catarinense e Uevinho Paranaense. Não sei bem por onde anda o xará Paranaense, mas acho que está na Ucrânia, na Coreia ou em algum outro desses países pequeneninos da Europa.
Como precisei largar o colégio para correr atrás do meu sonho, não sou muito bom de escrita. De forma que quem está botando em palavras os meus pensamentos é o meu assessor de imprensa, Ricardo Preá, o cara mais inteligente que conheci nos tempos de internato. Tão inteligente que, de todos os moleques da Cruzada de São Judas, foi o único que fez faculdade de jornalismo, na Unitosca, Universidade Técnica Operacional de Santa Catarina. Ele me falou que, como sou muito importante, um revisor dará mais uns tapas no texto. Por isso, essas mau traçada estão à altura do meu futebol. “Deus é fiel.”
Para começo de conversa, ando chateado com a imprensa esportiva. O pessoal vem pegando no meu pé, e não é de hoje. Não adianta nada eu ganhar todo ano o título de melhor jogador do mundo. Eles cismam que tenho que ir a treinos, beber menos, controlar o peso, fazer gol todo final de semana, ser artilheiro do campeonato, essas besteiras que cansei de fazer na carreira. É como se ainda tivesse que provar o quanto sou bom de bola.
Fala sério: precisa mais do que aquele comercial que fiz para uma empresa de telefone, para todo mundo ver que sou bom de bola? Pombas, foram 35 embaixadinhas com uma caixa de aparelho de celular, sem deixar cair. O telefone não estava dentro da caixa, porque aí ficava pesado demais, mas fiz 35 embaixadinhas de verdade, sem deixar o raio da caixinha cair. Não teve truque de edição, como em muita publicidade que vejo por aí. E aquela paradinha na nuca que eu fiz com a berinjela para uma rede de supermercados também foi para valer. E o engradado do anúncio da cerveja eu bebi mesmo, uma por uma! O que mais eu preciso provar? Mas não tem problema. “Tudo posso n’Aquele que me fortalece.”
Esses palhaços desses jornalistas dizem que eu estava esquentando o banco no meu time, lá na Europa. Ora, o West Ham é uma droga de time. Só fui para lá porque o Arsenal, que me comprou do Figueirense por 80 milhões de euros, em 2006, me emprestou para o Aston Villa, que me repassou para o Blackburn, que acabou me cedendo a essa porqueira do West Ham. West Ham? Que palhaçada é essa? Que time é esse que se chama, em português, Presunto do Oeste? Não dava para continuar lá. Ainda mais na reserva de um garoto do Lesoto. Vim embora. Forcei minha transferência, por empréstimo, para o Figueirense.
Aqui, estou em casa. Perto dos amigos, da Igreja do Tabernáculo da Graça dos Apóstolos da Revelação Eucarística Civil, da danceteria Biblo’s, da praia, dos meus oito carros e dos meus quatro filhos, que moram em quatro cidades perto de Florianópolis, cada um com sua mãe, menos um, o Uevercleisson, que mora com minha ex-sogra. No Figueira, vou reconquistar o meu lugar na Seleção e brilhar na Copa. Esperem para ver. “Mil poderão cair ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido.”
Esse negócio de futebol tem muito a ver com o emocional, entende? Se a gente não está feliz com o idioma, a cidade que mora, o horário dos treinos, o frio, as boates, o jeitão do técnico, o mulherio, a saudade da picanha na chuleta, o peso da bola, as cores da camisa do time, não tem jeito.
E tem o negócio do ritmo também. Minha última partida foi há mais de oito meses. Entrei no finalzinho, contra o Aberdeen. Não fiz gol, nosso time perdeu de 3 x 1, mas lembro perfeitamente de ter dado duas pedaladas e um chapéu daqueles bem curtinhos, no estilo penteia macaco, que foram umas pinturas. No dia seguinte, o jornal de Presunto do Oeste me deu uma nota três. Não é só no Brasil que jornalista esportivo é tudo sem-vergonha.
Na primeira metade da minha temporada no Arsenal, marquei 23 gols. Na segunda metade, caí um pouquinho na noite, e aí caí também um pouquinho de produção. Mas marquei dois gols. E começaram a pegar no meu pé. Vejam vocês: fiz 25 gols na temporada e só faltaram me pregar na cruz. Se não fosse atleta de Cristo, mandava – Amém! – todo mundo para o inferno. Não há de ser nada. “A sua descendência será poderosa na Terra; a geração dos retos será abençoada.”
Graças ao Nosso Senhor Jesus Cristo – eia! – existem pessoas que sabem dar valor ao talento. Quando voltei para o Figueira, mais de 2 mil pessoas foram me recepcionar no estádio. Três semanas depois, quando voltei aos treinos, muita gente voltou a visitar o clube para me prestigiar. Devo estrear daqui a nove rodadas, na reta final do Campeonato Catarinense. Prometo, ainda assim, lutar pela artilharia.
Não foi fácil para a diretoria me trazer de volta. Meu salário ainda é o mesmo dos tempos do Arsenal (disso eu não abro mão de jeito nenhum: tenho uma obra assistencial a manter, além de oito carros, quatro ex-mulheres, quatro filhos e uma ex-sogra) e foi preciso arranjar nove patrocinadores para viabilizar a negociação: uma montadora, uma telefônica, uma cervejota, uma marca de caninha (que nem é a que eu gosto), um tônico capilar, um curso de inglês, uma empresa de quentinhas, uma marca de cueca e um remédio para disfunção erétil, que não sei bem o que é, mas parece que é coisa de boiola.
A camisa ficou linda, toda colorida, com aquele monte de marcas. Parece macacão de piloto de Fórmula 1. O cara do marketing lá do clube disse que ela passa modernidade, calor, umas coisas assim, sei lá. O problema é que, como toda a renda de patrocínios é usada para pagar o meu salário, os outros jogadores – cambada de invejosos sem fé em Deus – ficam reclamando com o técnico, fazendo corpo mole e não me passam a bola. Ora, tem que ser craque de verdade para poder fazer corpo mole, e eles estão longe disso. “Ó Senhor dos Exércitos, bem-aventurado o homem que em Ti põe sua confiança.”
Agora que voltei para o Brasil, só me falta mesmo obter uma última graça – Amém, Deus esteja, eia! –, que é voltar à Seleção. O professor já me convocou algumas vezes. A última foi há dois anos, na derrota de 2 x 0 para a Islândia, mas sei que ele gostou da minha atuação naquele jogo e respeita muito o meu trabalho. A lista para a Copa sai daqui a uma semana e eu devo voltar aos gramados em um mês. O melhor do mundo da Fifa não pode ficar fora do maior evento do futebol, o Senhor seja louvado!
Vou rezar 99 novenas para ser convocado e sei que meu nome será lembrado. Quem sabe jogar não esquece. Estou fazendo um trabalho à parte do grupo, lá no clube, e espero perder os 16 quilos que estou acima do peso em duas ou três semanas de trabalho duro, das 11h às 12h45, de terça a quinta, pulando a quarta porque ninguém é de ferro.
Nunca estive tão empenhado. Espero que o que escrevi aqui, com a ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do amigo Preá, sirva para mostrar toda a perseguição que venho sofrendo da imprensa. Que as calúnias – Amém! Eia! – sejam trocadas pelo perdão. Vou trazer esse hexa para o Brasil, nem que, para isso, tenha que treinar até mesmo nas manhãs de segunda… de quinze em quinze dias. Epa rei, minha Nossa Senhora dos Atacantes que Caem pela Esquerda! Concedei-me essa graça. “Sangue de Jesus tem poder.”
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