Durante um confronto, Jean-Luc tropeçou e se espatifou na calçada. Ficou atordoado. Seus óculos haviam quebrado. Furioso, queria que eu chamasse um táxi para ir aos Champs-Elysées, onde ficava a ótica que frequentava. Mas que táxi? Onde? FOTO: : SERGE HAMBOURG_1968_HOOD MUSEUM OF ART
Godard e eu
Memórias do Maio de 68
Anne Wiazemsky | Edição 137, Fevereiro 2018
O cineasta francês Jean-Luc Godard morreu nesta terça-feira (13/09/2022) aos 91 anos. Pioneiro da Nouvelle Vague, movimento que mudou a estética do cinema mundial, Godard dirigiu mais de 40 filmes ao longo de 70 anos de carreira. É diretor de Acossado, Viver a Vida e Je Vous Salue, Marie, entre outros. No texto abaixo, publicado pela piauí em 2018, Anne Wiazemsky, que foi casada com Godard, relembra suas memórias do maio de 1968 ao lado do cineasta.
* Atriz e escritora francesa (1947-2017), Anne Wiazemsky casou-se com Jean-Luc Godard em 1967.
De pé, bicho-preguiça!”
Jean-Luc abriu as venezianas do pequeno terraço e o sol de maio iluminou nosso quarto. Ele depositou sobre a cama uma bandeja com uma xícara de Nescafé e um pão com bastante manteiga. Eu não estava com a menor vontade de levantar e enfiei a cabeça embaixo do travesseiro. Mas adivinhei o que ele logo atirou em cima da cama: todos os jornais do dia. Aquilo se tornara um ritual: a bandeja com o café da manhã servido por Jean-Luc, acompanhada dos jornais. Ele estava acordado havia tempo e transbordava energia. Tinha tomado um café com croissant no bar mais próximo, folheando atentamente os jornais. Sem aquela leitura ele nem cogitava começar o dia. Além de jornais, a dona da loja que ficava no térreo do prédio também vendia material de papelaria e alguns livros, e logo se afeiçoara a ele, decretando-o seu melhor cliente. Jean-Luc não só comprava os jornais, como todas as revistas, à medida que iam sendo lançadas, e canetas, canetinhas, borrachas, cadernos, blocos de papel. “Ah, monsieur Godard, apesar de tão conhecido, continua tão gentil e tão modesto!”, ela gostava de repetir. Em pouco tempo, ela passou a guardar nossas chaves, receber o correio e até anotar os recados.
“Eu disse de pé, bicho-preguiça!”
Abri os olhos, vencida por seu bom humor e a luz que entrava. Acomodada sobre os travesseiros, a xícara de Nescafé na mão, vi que ele segurava um radinho de pilha.
“Acabei de comprar. Não podemos ficar sem ouvir a Europe 1 e a Radio Luxembourg, os jornalistas são excelentes, se metem em tudo quanto é canto. Eles é que vão nos contar o que está acontecendo!”
“Nesse caso, uma segunda xícara de Nescafé.”
O que não sabíamos era que milhares de franceses tinham tido a mesma ideia e que em pouco tempo os estoques de rádios de pilha pela primeira vez se esgotariam no país. Jean-Luc voltou com um novo Nescafé, depois me informou que eu deveria deixá-lo trabalhar. Em quê, não me disse. Fiz então uma descoberta assombrosa: a capa de todos os jornais estampava o retrato de Dany,[1] meu colega anarquista de Nanterre, que queria me transformar numa militante revolucionária, enquanto flertava comigo pelos corredores e gritava: “Solidariedade aos ruivos!” Um Dany alegre, solar, que convocava os estudantes à mobilização geral. Lendo os vários artigos dedicados a ele, fiquei sabendo que era o líder do recente Movimento 22 de Março, em Nanterre, e que fora intimado a se apresentar à Justiça junto com outros sete estudantes. E dizer que eu via Dominique, Jean-Pierre e ele como Les Pieds Nickelés![2]
Desci para compartilhar minha descoberta com Jean-Luc e ele se admirou quase tanto quanto eu. Embora nunca tivesse encontrado Dany, lembrava-se muito bem do que eu lhe dizia a respeito dele. Tinha até me pedido para ler, em A Chinesa,[3] um panfleto para boicotar as provas de fim de ano, “causadoras de neuroses e frustrações sexuais”. Panfleto assinado “Os Anarquistas”, que, segundo ele, podia passar por maoista.
Um pouco mais tarde, o rádio nos informou que quatro participantes da manifestação de 3 de maio acabavam de ser condenados à prisão. Dany não estava entre eles.
Eu só filmava à tarde, e me encontrei com a equipe de La Bande à Bonnot[4] no intervalo para o almoço. Alguns comentavam apaixonadamente o que tinham ouvido ou lido na imprensa, outros não estavam nem aí, alguns até zombavam. Principalmente nosso diretor, Philippe Fourastié, seu assistente e Bruno Cremer. “Esses merdinhas pensam que estão fazendo a revolução”, dizia um. “Dá para ver que nunca foram para a Guerra da Argélia”, dizia outro. Eram as únicas respostas que davam a Armand,[5]intrigado com a revolta dos estudantes. Quando retomamos o trabalho, fiz um comentário baixinho sobre a brutal recusa deles em discutir a questão e Armand me respondeu no mesmo tom, mas com ironia: “Você queria o quê? São do grupo de Pierre Schoendoerffer, filmaram La 317e Section.[6] Homens de verdade, ora!” As conversas não chegaram a ser hostis, o trabalho continuou no mesmo ritmo da véspera, mas algo havia mudado, um certo bom humor parecia ter se perdido.
No dia seguinte, 6 de maio, tudo se precipitou.
Já pela manhã, ficamos sabendo que Dany e mais sete companheiros compareceram diante da comissão disciplinar da Universidade de Nanterre. Greves e manifestações estouraram em várias universidades de toda a França. No início da tarde, novas manifestações no Quartier Latin. Como naquele dia eu não filmava, acompanhei Jean-Luc. Em meio a uma multidão de jovens, estávamos animados de estar entre eles, em pleno Boulevard Saint-Germain. No início, as palavras de ordem eram confusas e pouco repetidas, a não ser “Libertem nossos companheiros!”, que imantavam todo mundo. Ao longo do cortejo, os estudantes encarregados da segurança formavam correntes que me faziam sentir segura. As ofensas começaram a jorrar de todos os lados contra os policiais, numerosos, determinados a não nos deixar ganhar um centímetro de terreno. Eles não demoraram a atacar. Então começou a correria para fugir pelas ruas adjacentes, uma correria enlouquecida, desordenada, e então percebi que estava com medo. Um medo que nunca me abandonaria.
Jean-Luc, ao contrário, não tinha medo de nada. A violência da polícia contra os manifestantes o deixava possesso. Ele era o primeiro a se unir aos grupos que, aqui e ali, surgiam para revidar. Gritava mais alto que todos e a grosseria de seus insultos aos policiais, aos membros do governo e aos líderes sindicais surpreendeu os demais. Eu o seguia como podia, suplicando que voltasse para casa, mas ele não me ouvia. Às vezes, exaustos, parávamos num café para descansar ou beber alguma coisa. Todos os cafés estavam abertos, nenhuma porta fechada. Comerciantes e moradores se diziam indignados com a violência policial e ajudavam os jovens que buscavam abrigo.
Durante um novo confronto, seguido de nova fuga perto do Panthéon, na rue Soufflot, Jean-Luc tropeçou numa lixeira e se espatifou na calçada. Eu o ajudei a se levantar. Estava apenas atordoado, mas seus óculos haviam quebrado. Era o pior que poderia acontecer: sem óculos, não enxergava nada. Aquilo o deixou furioso. Queria que eu chamasse um táxi para ir aos Champs-Elysées, onde ficava a ótica que frequentava. Mas que táxi? Onde? Sua própria incoerência o consternava. Parecíamos dois imbecis, esbarrando nos estudantes que corriam para todo lado. A polícia logo chegaria, precisávamos nos abrigar com urgência. Felizmente, não estávamos longe do número 20 da rue de Tournon. Guiei-o até o prédio como a um cego, irritada por suas queixas. Injustamente, eu o responsabilizava pelo medo terrível que havia sentido e que ainda sentia.
Bambam abriu a porta sem demonstrar a menor surpresa. Compreendeu na hora o que estava acontecendo e propôs uma solução: ao lado, Rosier[7] trabalhava em sua nova coleção com um jovem assistente, que tinha uma Vespa e talvez pudesse chegar aos Champs-Elysées costurando entre manifestantes e policiais. Em suma, bastaria alcançar a Rive Droite e voltar à Rive Gauche.
O jovem anotou o endereço da ótica, pegou os óculos e prometeu fazer o possível. “Traga dois pares!”, gritou Rosier enquanto ele descia a escada. E, virando-se para Jean-Luc: “Esse incidente pode acontecer de novo, melhor tomar cuidado.”
“Você chama isso de incidente!”
“Ora, Jean-Luc, não passa de um incidente. Agora fique calmo e se acomode no sofá enquanto eu faço um chá. Vai dar tudo certo.”
Eu já estava no sofá, bebendo uma Coca-Cola que tinha ido buscar na cozinha. Gostava muito daquele apartamento, onde imediatamente me senti em casa, da hospitalidade calorosa de Rosier, dos móveis modernos, do poético bricabraque de objetos que misturavam recordações de viagens e achados preciosos descobertos em antiquários, das grandes janelas envidraçadas que se abriam para o céu e dos três gatos, resgatados famélicos das ruas de Paris e hoje gordos e afetuosos bichanos. De longe chegavam as sirenes das viaturas da polícia e, mais raras, das ambulâncias. O grosso dos confrontos devia ter se deslocado para os lados de Maubert ou do Boulevard Saint-Michel, pois não se ouvia mais as palavras de ordem. Passado o susto, consegui me preocupar com o cansaço que se abateu sobre Jean-Luc. Ele mal respondia às perguntas de Bambam e aos comentários de Rosier, que encadeava piadinhas e trocadilhos para fazê-lo sorrir. Ele parecia esgotado e desamparado, e não pedia nem mesmo para ouvir o rádio.
O assistente telefonou da ótica. As lentes não podiam ser trocadas naquele momento, os dois pares novos não ficariam prontos antes do final da manhã seguinte. Ele também disse que havia conseguido chegar à Rive Droite sem muita dificuldade, mas que parecia mais difícil voltar. “Tire uma folga no resto do dia”, disse Rosier. E, virando-se para nós: “Não estão começando a ficar com fome?”
“Sim.”
Jean-Luc tinha se levantado. Não comíamos desde o café da manhã e tínhamos caminhado muito, corrido muito.
“Fazer a revolução dá fome!”
De repente ele havia recuperado seu bom humor e uma certa vitalidade. Os óculos quebrados lhe tiravam qualquer veleidade de atacar os policiais.
“E por mais que seja um homem atlético, não tem mais 20 anos”, Rosier não conteve a ironia.
“Você também não”, devolveu Jean-Luc, sorrindo.
Passava das sete da noite e surgiu a questão de onde poderíamos jantar. Ninguém cogitou ir ao Balzar, agora que a Sorbonne estava mais protegida que nunca pela polícia. Não sabíamos onde estavam ocorrendo os combates de rua. Do terraço, vimos que a rue de Tournon parecia calma.
“Que tal o La Méditerranée, ao lado do Théâtre de l’Odéon?”, propôs Rosier. “Ainda é um pouco cedo, mas tenho certeza de que seremos atendidos.”
Bambam tossiu nervosamente.
“Hmm, você conhece o lugar?”, ele perguntou a Jean-Luc.
“Não. Por quê?”
Eu tinha ouvido falar do restaurante por François e Claude Mauriac,[8] que adoravam jantar lá; eram clientes assíduos, eles diziam. Por isso, para mim era um lugar mítico, como antes havia sido e continuava sendo o bar do hotel Pont Royal, por causa de Sartre e da revista Les Temps Modernes.
O restaurante era ainda mais bonito do que eu imaginava, muito chique. Fiquei maravilhada com os afrescos nas paredes, as fotos das celebridades. Jean-Luc, que não percebia todos esses detalhes, sentiu alguma coisa que o deixou desconfiado.
“Acho que não faz meu tipo”, ele disse.
“Seu tipo ou não, as opções não eram muitas”, respondeu Bambam, em tom conciliador.
Com um gesto, ele me aconselhou a guardar para mim o entusiasmo diante de uma foto do deslumbrante Jean Marais ao lado de Jean Cocteau. Eu estava achando aquilo tudo muito divertido. Jean-Luc não era nem um pouco gourmand, comia para se alimentar. Quanto mais feio o restaurante, mais ele gostava. Foi unicamente para me agradar que mudou de hábito – passou a frequentar as brasseries e finalmente adotou o Balzar.
Um único casal jantava: um homem idoso e uma mulher nem tanto, muito maquiada, cabelo tingido de louro platinado e preso num coque inacreditável. O restaurante estava vazio, nós seis formávamos um grupo curioso. Jean-Luc acabou avistando o casal e fez um comentário desdenhoso, “Uma puta e seu velho”. Rosier e Bambam preferiram ignorar. Os garçons chegaram e fizemos o pedido.
O jantar se desenrolou numa atmosfera tensa. Voltamos a ouvir sirenes, explosões distantes e gritos de estudantes. Tudo parecia confuso, mas tínhamos a impressão de que os combates de rua se aproximavam. Jean-Luc voltou a ficar muito nervoso, amaldiçoava os óculos perdidos e criticava Rosier por ter nos arrastado para um restaurante luxuoso enquanto deveríamos estar na rua, ao lado dos estudantes. Seu mau humor acabou irritando até o pacífico Bambam, que lhe chamou a atenção.
Um grupo de jovens empunhando bandeiras vermelhas subitamente invadiu o largo do Théâtre de l’Odéon e, depois de alguns segundos de hesitação, se precipitou pela rue Racine na direção do Boulevard Saint-Michel. Pela primeira vez ouvimos novas palavras de ordem: “É só o começo, a luta continua!” e “CRS, SS!”.[9] Ao passar, eles derrubaram as floreiras diante do La Méditerranée e deram socos na janela do restaurante, como para acordar os que estavam lá dentro. Nenhum vidro quebrou, mas o casal sentado do outro lado se levantou assustado, pronto para se esconder na cozinha. O largo à frente do Odéon voltou à calma e o casal se sentou. O homem tremia de medo e raiva. Uma raiva que expressava em voz alta, tomando-nos por testemunhas: “Imbecis! Malditos imbecis! Espero que sejam todos presos junto com essa revolução!”
“Ai, ai, ai”, pensei ao ver Jean-Luc ficar pálido.
“Imbecil é o senhor!”, ele gritou. “Seu velho imbecil!”
O homem, indignado e furioso, se levantou. Viu de onde vinha o insulto e, tremendo inteiro, gritou: “Como é que é? Eu estava na guerra em 1914 e em 1940, eu lutei, monsieur!”
“Se ainda está vivo, é porque não fez nada. Senão estaria morto como milhares de outros homens! Um inútil, monsieur, isso é o que o senhor é, um inútil.”
O homem quase engasgou e, ainda praguejando como um carroceiro, pediu ajuda aos garçons e ao maître. Era sem dúvida um cliente assíduo e logo foi atendido. Enquanto isso, Rosier aproveitou para pedir a conta e pagar. Já passava da hora de tirar Jean-Luc daquele bate-boca ridículo. Estávamos saindo quando ele deu meia-volta e foi até o casal.
“Vá se empanturrando e enchendo a cara, seu velho imbecil! E nem assim vai conseguir comer melhor essa piranha”, disse apontando para a pobre moça.
Bambam foi até ele e o arrastou para a rua.
Rosier, por sua vez, parecia a ponto de explodir. Quase cheguei às lágrimas diante daquele ódio que surgia de um recanto muito sombrio de Jean-Luc, sem motivo, sem explicação. Senti vontade de sumir, de me esconder em qualquer outro canto, até na casa da minha mãe. Mas não podia abandoná-lo sem os óculos agora que a polícia e os manifestantes se perseguiam e se enfrentavam por todo o Quartier Latin.
“Vamos com eles até o apartamento”, disse Bambam. “Não podemos deixar Anne sozinha com essa responsabilidade.”
“Sem mim”, respondeu Rosier, “já ouvi demais por uma noite. Mas não demore, também não quero ter que me preocupar com o senhor.”
E girou nos calcanhares, sem dizer mais nada, sem um gesto de amizade. Não tive tempo de, mais uma vez, me espantar com o fato de que Rosier, depois de vários anos de vida em comum, ainda chamasse Bambam de senhor,[10] pois este logo apontou na direção do Balzar.
“Os confrontos não parecem seguir para aquele lado. Vamos tentar…”
Ele caminhava rápido, confiante, esquecido da dor nas costas e de sua fleuma habitual. Jean-Luc o seguia, silencioso e dócil, talvez arrependido da violência com que tratou o casal que jantava.
Cruzamos com grupos de manifestantes que se retiravam momentaneamente para o Jardim de Luxemburgo. Eles nos confirmaram que havia confrontos no Boulevard Saint-Germain, sobretudo na altura do cruzamento do metrô Odéon, e que eram violentos. Num desses grupos encontramos meu irmão Pierre. Ele nos viu e veio em nossa direção, surpreso de nos encontrar ali e surpreso com a estranha aparência de Jean-Luc. Bambam, que o conhecia, contou sobre os óculos quebrados e a necessidade de nos escoltar até nosso prédio. Como era de esperar, Pierre disse que nos acompanharia e Bambam pôde ir embora. Agradeci intimamente seu silêncio em relação à desagradável cena do restaurante. Pierre admirava Jean-Luc, e eu não queria que a imagem que fazia dele fosse maculada. Naquele momento, ele estava comovido.
“Sem óculos, você fica ainda mais parecido com o Buster Keaton…”
“Se isso te diverte…”
Enquanto nos dirigíamos sem muita dificuldade para a rue Saint-Jacques, Pierre narrava seu dia. Ele tinha acompanhado tudo ao lado dos manifestantes, tirando fotos com a Kodak automática que levava no pescoço. De minha parte, contei da surpresa de descobrir pela imprensa que o líder do Movimento 22 de Março era Dany, meu amigo anarquista de Nanterre.
“Mesmo? O cara que sempre telefonava e eu sempre tinha que responder que você não estava?”
“Sim. Como é que pode?”
Pierre achou graça.
“Que orgulho dessa irmã. Além de estar casada com Jean-Luc Godard, é amiga de um líder revolucionário que, ainda por cima, parece simpático!”
Mas uma péssima surpresa nos esperava na Place Paul-Painlevé. Se havia tão poucos manifestantes na rue des Écoles, em volta da Sorbonne e do Balzar, era porque a maior parte dos policiais, na retaguarda dos confrontos, estava perto do Boulevard Saint-Germain, no cruzamento com a rue Saint-Jacques. Para voltar para casa, precisaríamos passar por eles.
Quando soube disso, a primeira reação de Jean-Luc foi se recusar a passar por ali, indignado. Meu irmão explicou que era o único caminho. “Veja isso como um jogo. Vamos nos infiltrar em território inimigo, como Buck Danny e os japoneses.” Jean-Luc não entendeu a alusão a uma de nossas histórias em quadrinhos preferidas na infância, mas gostou da ideia de jogo.
Pierre abordou educadamente os primeiros policiais e explicou que queríamos voltar o mais rápido possível para casa porque, sem os óculos, o cunhado não enxergava mais nada. Os policiais, também educadamente, pediram nossos documentos de identidade. Os de Pierre estavam em ordem, mas Jean-Luc e eu só tínhamos nossos passaportes de cidadãos suíços. Não tínhamos nem nosso endereço registrado, pois quando casamos não fazíamos a menor ideia de onde queríamos morar. Nada indicava que realmente ficaríamos em Paris ou na França.
Foi preciso uma longa explicação para que acreditassem que dizíamos a verdade, que o homem exausto, como que desorientado, e a jovem mulher que parecia ser sua esposa de fato pudessem ser o casal famoso cujos méritos Pierre louvava. De todo modo, os manifestantes estavam muito mais à frente, no cruzamento do Odéon, mas ouvíamos as palavras de ordem repetidas nos megafones: “Libertem nossos companheiros!”, “É só o começo, a luta continua!” e “CRS, SS!”. Atravessamos a barreira, enquanto os policiais transmitiam a instrução de “Deixem passar”. Passávamos por todos aqueles homens, impressionados pela quantidade deles. Os capacetes, escudos e cassetetes os transformavam em guerreiros muito realistas e assustadores, e nos provocavam um baita desconforto. Em graus diferentes, nós três nos sentíamos humilhados de ter que sorrir e agradecer, ou melhor, de ter que inspirar confiança. Mesmo assim, preciso confessar que estava aliviada de não estar participando dos combates de rua, não me sentir mais aterrorizada como no início da tarde e enfim poder me refugiar em casa.
Estávamos quase saindo dali quando um outro policial pediu para ver nossos documentos de identidade. Felizmente, uma ordem que repetia a instrução original o alcançou e ele nos devolveu os passaportes suíços. “Procurem amanhã mesmo a embaixada para regularizar sua situação. Da próxima vez, não terão a sorte que tiveram hoje.” Com uma atitude agressiva, parecia decepcionado de não poder nos prender. Mal tínhamos saído dali, livres, e Jean-Luc murmurou: “Ui, que malvado!” Virou-se e encarou o policial como se nunca mais quisesse esquecer seu rosto, o que não passava de um blefe, pois não estava enxergando nada, e murmurou de novo: “A gente ainda vai se ver!” Puxado por Pierre e por mim, porém, deixou-se guiar até o nosso prédio.
Em casa, Pierre pediu nossos passaportes e uma caneta da mesma cor usada no registro do nosso nome e local de nascimento. “É desnecessário perder tempo na embaixada. Vou fazer umas correções e ninguém vai perceber nada.” Me senti confiante, pois conhecia os talentos de meu irmão nesse quesito, e Jean-Luc achou graça, como sempre que se tratava de trapacear alguém. Depois disso, circulamos à vontade por Paris, pela Suíça e pelo mundo inteiro.
Pierre nos deixou para ir à rue François-Gérard. “Jurei à mamãe que estaria de volta ao cair da noite”, explicou num súbito mau humor, como para salvar sua honra de jovem que acabava de fazer 19 anos: “Mas isso não vai durar muito!”
O dia, de fato, chegava ao fim. Nos jardins da Igreja de Saint-Séverin, os pássaros celebravam o início da noite, indiferentes à polícia reunida no cruzamento. Jean-Luc se deitou num sofá, eu no outro, o rádio sintonizado na Europe 1. Graças ao rádio, soubemos mais detalhes sobre o desenrolar dos acontecimentos.
A manifestação se iniciou tranquilamente, guiada por Dany Cohn-Bendit, Alain Geismar, secretário-geral do SNESup, e Jacques Sauvageot, presidente da Unef.[11] Ninguém sabia dizer como os confrontos haviam começado. Os estudantes acusavam a polícia, que por sua vez acusava os estudantes. Pela primeira vez, ouvimos falar em “elementos incontroláveis” que teriam se infiltrado na passeata para semear a discórdia. Estudantes entrevistados falavam em “provocadores manipulados pela polícia”. O apresentador explicou de que maneira, diante da violência policial, os estudantes, até então não politizados, tinham ido para as ruas. Compreendíamos o sentido das novas palavras de ordem: “É só o começo, a luta continua!” Agora todos marchavam juntos. O jornalista falava com exaltação: Que vitória para eles! Que fracasso para o governo!
O apresentador passou bruscamente a palavra a um de seus colegas que estava na Place Denfert-Rochereau, onde uma multidão de jovens erguia barricadas como as que haviam feito no Quartier Latin no final da tarde. Mas os estudantes, agora mais bem organizados atrás de trincheiras, revidavam com paralelepípedos, balizas de sinalização, lixeiras em chamas, tudo o que alcançassem. Seus gritos, as advertências policiais, o estrondo dos paralelepípedos batendo nos escudos, as explosões e as primeiras sirenes de ambulância chegavam a nós como se estivéssemos lá. Graças a esse jornalista, que comentava o que via correndo de um lado para outro, tanto para se proteger quanto para ficar no centro dos embates, vivemos ao vivo essa primeira verdadeira noite de violência em Paris.
Num dos raros momentos de calmaria, outro jornalista da Europe 1 anunciou do estúdio que corriam boatos de que o governo desejava abrir negociações com os principais líderes do movimento estudantil. E passou a palavra ao colega que estava na Place Denfert-Rochereau e que havia conseguido uma breve entrevista com Dany Le Rouge. Dany não respondeu se o boato era pertinente ou não, mas afirmou que não poderia haver negociação antes que dois colegas presos fossem soltos e antes que a polícia se retirasse por completo do Quartier Latin e, obviamente, da Sorbonne.
Era estranho ouvir o Dany do ano anterior falando como líder, com a mesma voz, o mesmo entusiasmo e a mesma convicção; era estranho concordar com tudo que ele dizia, embora eu tivesse escolhido virar as costas ao mundo universitário. Imaginei Dominique e Jean-Pierre a seu lado. Como eu podia ter passado completamente ao largo daqueles três?
A noite caíra havia um bom tempo e o apartamento continuava às escuras quando Jean-Luc propôs que fôssemos para a cama. Não acendemos nenhuma lâmpada, nem passamos pelo banheiro. Desligado o rádio, ficamos deitados um contra o outro, esperando o sono que não vinha. Eu adivinhava Jean-Luc agitado por mil pensamentos, como eu, mas nenhum dos dois falava nada, como se depois de um dia como aquele só pudéssemos ficar em silêncio.
De pé, bicho-preguiça!”
A frase habitual de Jean-Luc foi seguida de um horrendo mugido que imediatamente me arrancou do sono.
“Eu disse de pé, bicho-preguiça. Acordem, bichos-preguiça!”
Lembrei com irritação que, pela segunda noite consecutiva, Jean-Jock dormia no andar de baixo, na sala. Na primeira vez, Jean-Luc o convidou quando voltávamos da grande manifestação que partiu da Place Denfert-Rochereau e foi até o Arco do Triunfo. Assim que nos viu, Jean-Jock deixou seu grupo de amigos e se juntou a nós. As notícias frescas que ele trazia dos secundaristas, também prestes a entrar em greve, haviam deixado Jean-Luc encantado. Ele via em Jean-Jock uma ponte com os jovens, e continuava a chamá-lo afetuosamente de “meu comissário político”. Eu era mais cética: era um ano mais velha que ele e desconfiava das pessoas da minha idade, da inconsistência loquaz de suas palavras. No entanto, a alegria de Jean-Jock e seu ilimitado repertório de cantos revolucionários acabaram por me seduzir. Sua presença ao nosso lado ajudava a apaziguar o mal-estar puramente físico que eu sentia no meio da multidão. Da mesma forma, encontrar de repente rostos conhecidos, do pessoal de cinema e teatro, atores, diretores ou técnicos, me ajudava a compreender que o movimento estudantil adquiria maior alcance e chegava a outras camadas da sociedade. Eu me dirigia a eles com alegria, enquanto Jean-Luc mantinha certa distância, como de hábito.
Tínhamos voltado para a rue Saint-Jacques exaustos pelas horas de caminhada e, como Jean-Jock se queixasse de mal ter dormido na véspera, Jean-Luc o convidou a passar a noite conosco. Aquilo me deixou um pouco contrariada, mas acabei me conformando.
Na manhã seguinte, levantei cedo para ir às filmagens de La Bande à Bonnot, deixando Jean-Jock profundamente adormecido no sofá. Ele havia tirado apenas os sapatos e o casaco, largados no meio da sala.
O dia foi difícil, pois a tensão entre os diferentes membros da equipe crescia – uns estavam maravilhados pelos acontecimentos dos últimos dias e outros os desprezavam. Fiquei sabendo que o mesmo acontecia na maioria dos sets de filmagem, e que se começava a falar em greve. Eu nunca tinha pensado nisso antes, mas a ideia me agradava e logo concordei com os argumentos de Armand, que falava de uma “solidariedade com os estudantes”. Isso nos granjeou a ira do primeiro assistente e de Bruno Cremer, a velha guarda da 317e Section, como Armand os apelidara. Philippe Fourastié, por sua vez, queria acabar logo o filme e por isso sua energia estava a mil. Preferia não opinar, tentava acalmar os ânimos simulando um bom humor e uma despreocupação que estava longe de sentir.
Sem me deixar impressionar pelo sarcasmo de Bruno Cremer e do primeiro assistente, narrei em detalhes as violências policiais de 6 de maio e a grande manifestação da véspera. Jacques Brel não se interessou por nada, embora parecesse me ouvir com atenção. Annie Girardot, que tinha problemas cardíacos que eu desconhecia, dava de ombros e se contentava em responder com um forte sotaque parisiense: The show must go on. Jean-Pierre Kalfon foi o único a falar com entusiasmo do que julgava saber do movimento estudantil, misturando tudo, revolução, sexo, drogas e música. Entre as tomadas, tocava violão fumando um baseado, como eu o vi fazer em Les Gauloises Bleues.[12] Seu entusiasmo exagerado com minhas palavras provocou em Bruno Cremer um ataque de riso, mas acabou irritando o primeiro assistente, que me mandou ficar quieta. Eu só voltaria às filmagens depois de várias semanas e ele recebeu o anúncio da minha partida com um “Ainda bem!”, seguido de um “Vai brincar de revolução em outro lugar, sua cretina!”.
Encontrei Jean-Luc para jantar em seu restaurante preferido, Les Balkans, perto da rue Saint-Jacques com o Boulevard Saint-Germain. A comida não era boa, não era cara e os clientes eram estudantes, basicamente. Eu não gostava de lá, mas depois de vários dias de Balzar e da experiência catastrófica do La Méditerranée, aceitei quieta.
Entusiasmado, ele logo anunciou que os liceus da França entravam oficialmente em greve, um depois do outro. Contei o que tinha visto e ouvido durante o dia, os boatos que corriam a respeito de possíveis greves nos diferentes sets de filmagens em curso. Ele não acreditava.
“Como é que o pessoal de cinema se engajou? Eles só pensam nos próprios filmes e ponto final.”
Falei da grande mobilização em torno da demissão de Henri Langlois e do fechamento da Cinemateca.[13] Ele adotou seu tom professoral e decretou que aquilo não tinha nada a ver com o assunto, logo voltando ao que lhe interessava. Seu amigo Charles previa que os operários também se uniriam ao movimento. Seu amigo Charles? Que amigo Charles? Jean-Luc me lembrou que eles se conheceram no início do ano. Meu espanto o irritou. Ele voltou ao tom professoral, que me irritou também: “Falei a respeito, na época. Ele é, de longe, o estudante mais inteligente que conheço. Fui apresentado a ele quando frequentei os membros da UJC-MC. Charles não é exatamente um militante maoista, mas um próximo, um simpatizante muito ativo.”
“Da UJC… o quê?”
“Da UJC-ML, Union des Jeunesses Communistes Marxistes-Léninistes.[14] Que saco esse seu esquecimento sistemático de qualquer coisa ligada à política. Lembre-se de que foi você que me conseguiu o “camarada X” para A Chinesa. Omar Diop, amigo do seu amigo Antoine Gallimard,[15] é membro da UCJ-ML. Falando nisso, por onde anda Antoine?”
“Não sei.”
A menção a Antoine me fez mergulhar numa espécie de tristeza. A vida que passamos a levar depois do casamento e que tantas vezes havia me afastado de Paris também havia me afastado dos amigos de infância e adolescência. De repente compreendi que era muito fácil se afastar daqueles que nos eram caros e igualmente fácil formar outros laços – com Rosier e Bambam, por exemplo. E Nathalie? Por onde andaria Nathalie? Jean-Luc e eu a vimos em Nova York, durante uma viagem curta; ela disse que faria o bac[16] no liceu francês e, depois disso, não soube mais nada. Minhas lembranças enterneceram Jean-Luc.
“Vinte anos não é a idade em que os caminhos se separam? Em que cada um vai para um lado?”
“Foi o que aconteceu com você nessa idade?”
“Não. Ao contrário de você, nunca tive amigos.”
Essa confidência, que eu não esperava, acentuou minha tristeza. Jean-Luc acariciou meu rosto.
“Não faça essa cara de cachorrinho abandonado. Agora tenho você e também tenho companheiros de luta.”
Essa última frase me perturbou: então estávamos no mesmo plano, eu e seus misteriosos “companheiros de luta”, que eu nem conhecia? Eu não era muito mais importante que eles? Quase lhe perguntei isso, mas por razões obscuras me calei. Seria por medo de parecer muito sentimental?
Por volta da meia-noite, a campainha do telefone nos acordou ainda no primeiro sono. Era Jean-Jock de novo, que chegaria em cinco minutos. Jean-Luc enfiou um robe e desceu para abrir a porta. Fiquei furiosa, com vontade de descer também e colocá-lo na rua na mesma hora. Nosso apartamento não era um hotel, mas quando compartilhei com Jean-Luc minha indignação, ele me deu as costas e voltou a dormir. Furiosa, engoli um barbitúrico.
Agora era a voz de Jean-Jock que eu ouvia enquanto acabava minha primeira xícara de café preto. Sua voz estrondosa cantava a plenos pulmões:
Comme faucheurs rasant un pré
Comme on abat des pommes,
Les versaillais ont massacré
Pour le moins cent mille hommes.
Et les cent mille assassinats
Voyez c’que ça rapporte.
Tout ça n’empêche pas, Nicolas,
Qu’la Commune n’est pas morte![17]
“Chega!”
Ao ouvir meu berro, Jean-Jock se calou. Na mesma hora, porém, sua cabeça despontou na escada que levava a nosso quarto. Ele fez uma cara de decepção.
“O que foi? Não gostou do meu revolucionário toque de alvorada?”
E, sem me dar tempo de responder:
Ils ont fait acte de bandits
Comptant sur le silence,
Ach’vé les blessés dans leurs lits
Dans leurs lits d’ambulance.
Et le sang inondant les draps,
Ruisselait sous la porte.[18]
Mais do que nunca, parecia um personagem de Walt Disney, e isso me desarmou. Em quem me fazia pensar? No cachorro Pluto? Jean-Jock deve ter sentido minha mudança de humor.
“Repita o refrão junto comigo.”
Tout ça n’empêche pas, Nicolas,
Qu’la Commune n’est pas morte![19]
Mas foi Jean-Luc quem o chamou à ordem: na véspera, Jean-Jock havia prometido levá-lo às escolas em que os alunos estivessem em assembleia geral. Saíram sem me perguntar se gostaria de acompanhá-los. Eu tinha a manhã toda só para mim, podia ficar na cama sem fazer nada o tempo que quisesse, ouvindo Beatles, Charles Trenet, Joan Baez e Bob Dylan!
Ofilósofo Gilles Deleuze era, havia muito tempo, o melhor amigo de Bambam. Deleuze morava e dava aulas em Lyon, mas ia com frequência a Paris. Naquela sexta-feira, 10 de maio, pegaria o trem de volta para casa às onze da noite, depois de um jantar ao qual Jean-Luc e eu também havíamos sido convidados.
Nós o tínhamos visto algumas vezes, sempre na casa de Rosier e Bambam. Jean-Luc e ele tinham uma relação estranha. Pareciam se observar como dois gatos desconfiados, embora soubéssemos que se admiravam e que um falava bem do outro. Mas quando se encontravam o diálogo era truncado. Quando estávamos só nós dois, Jean-Luc justificava a reserva em relação a Gilles Deleuze criticando seu lado abertamente “dândi”. O filósofo tinha a singularidade de deixar as unhas compridas demais, e sempre que alguém se surpreendia, ele fazia questão de lembrar que Púchkin fazia o mesmo, e que se podia ver nisso uma espécie de homenagem. Jean-Luc não compreendia a relação entre o poeta russo que adorávamos tanto e o que ele comparava a “garras repugnantes”. Naquela noite, contudo, juntos aplaudiam a abertura, em Paris, das negociações de paz entre americanos e vietnamitas, bem como os acontecimentos do dia e os que pareciam se anunciar para a noite.
Um pouco mais cedo, meu irmão Pierre havia ligado para a rue Saint-Jacques. Estava muito excitado com a primeira manifestação dos secundaristas, da qual havia participado ao lado de centenas de estudantes. Segundo as instruções recebidas, todos os secundaristas grevistas deviam partir de seus respectivos liceus e convergir para a Place Denfert-Rochereau, ponto de reunião da manifestação. Jean-Luc estava na extensão do telefone para acompanhar o relato de Pierre. “Pergunte se foram guiados por unidades estudantis, por políticos.” “Não, não, não. Estávamos sozinhos, por conta própria, com alguns que tinham 10, 12 anos”, ele respondeu. Depois, cheio de esperança: “De repente, faremos com que eliminem o bac!” Pierre faria o seu dentro de um mês e meio. Ouvimos um longo bocejo: “Essas horas de caminhada por Paris me deixaram exausto. Vou ver Metrópolis na televisão, e se acontecer alguma coisa à noite, saio de novo.” Pierre havia citado o filme de Fritz Lang porque sabia o quanto Jean-Luc o admirava e queria mostrar sua boa-fé de aprendiz de cinéfilo. Se soubesse a que ponto Jean-Luc não estava mais nem aí…
Por volta das oito da noite, recém-chegados à rue de Tournon, ligamos o rádio com Rosier, Bambam e Deleuze para ouvir a Europe 1. Dany fazia um apelo: “Já que a polícia ocupa a Sorbonne, vamos ocupar o Quartier Latin!” Aquilo significava que milhares de pessoas afluiriam de todos os lados. Como a polícia reagiria? O que aconteceria?
O jantar preparado por Rosier foi engolido às pressas. Deleuze temia não conseguir chegar à Gare de Lyon e perder o trem. Os três saíram mais cedo que o previsto. Jean-Luc e eu ficamos sozinhos no apartamento do casal, nos perguntando o que devíamos fazer, a quem procurar. Jean-Luc tentou em vão ligar para Jean-Jock, o tal Charles e outros cuja existência eu ignorava. De minha parte, liguei para meu irmão. Minha mãe atendeu. Os dois tinham ouvido o apelo de Dany e Pierre partiu na mesma hora para o Quartier Latin. Na verdade, mamãe mentia. Pierre tinha pegado no sono antes mesmo de Metrópolis começar e ela não queria acordá-lo, pensando protegê-lo do que podia se revelar uma nova noite de tumultos.
Uma nova noite de tumultos? Não parecia. Quando deixamos o apartamento da rue de Tournon, ainda estava claro, reinava uma atmosfera festiva em Paris. Respondendo ao apelo de Dany, uma multidão invadia o Quartier Latin. Universitários e secundaristas, claro, mas também simpatizantes de todo tipo e muitos curiosos. Alguns vinham em família. Todos perambulavam pelo Boulevard Saint-Germain e pelo Boulevard Saint-Michel, impedindo a circulação de carros. O tempo estava agradável, os terraços dos cafés estavam lotados, vendedores de sorvete começaram a aparecer.
Jean-Luc e eu seguíamos o fluxo dessa massa serena e alegre, entregues àquele júbilo juvenil. Quase poderíamos esquecer dos conflitos em curso e das forças policiais, aliás totalmente ausentes.
Às vezes encontrávamos amigos que trabalhavam no cinema e parávamos um pouco para trocar impressões, conversar. Jean-Luc tinha se tornado mais gentil, mais dado: aquela multidão tão heterogênea o divertia.
Apresentei-lhe duas colegas do Sainte-Marie, que eu não via desde o último ano da escola. Seguindo um antigo costume, Jean-Luc perguntou a elas sobre os projetos que tinham para o futuro e sobre seus pais. Uma ia se casar e se via mãe de vários filhos, a outra não sabia, hesitava entre vagos estudos de letras ou uma escola de jornalismo. Os pais das duas, por sua vez, eram decididamente de direita. Quando ele perguntou “Mas então o que estão fazendo no meio de universitários e secundaristas de esquerda?”, elas responderam: “Nada, viemos ver, só isso.”
Por volta das onze, o clima começou a mudar. Os curiosos foram sumindo assim como tinham surgido, espontaneamente, sem nenhum acordo prévio. As grades de proteção dos cafés foram fechadas, os vendedores de sorvete desapareceram. Pouco a pouco reencontramos o ambiente tenso dos últimos dias, confirmado pela presença numerosa de jornalistas a pé ou de moto. Havia um clima ameaçador, era evidente, inevitável, que se preparava alguma coisa. Tomada de medo, quis voltar para o apartamento da rue Saint-Jacques, mas Jean-Luc se recusou terminantemente a ir embora.
Por volta da meia-noite, grupos de jovens começaram a arrancar os paralelepípedos das ruas Soufflot e Gay-Lussac e a erguer barricadas aqui e ali numa velocidade frenética. Eles eram muitos e pareciam determinados a se organizar para a luta. Vários tinham o rosto oculto por um lenço. Na Place Edmond-Rostand, outros jovens também arrancavam os paralelepípedos. Logo se formou uma corrente para erguer as barricadas. Os paralelepípedos passavam de mão em mão num ritmo regular, em meio a um silêncio impressionante. Breves e escassas ordens eram gritadas, todos obedeciam. Nenhuma contestação, apenas uma disciplina quase militar. Simpatizantes como nós hesitavam em se juntar a eles.
Alguém chamou Jean-Luc. Era Jean-Pierre Léaud, que parecia um pouco desorientado e estava na companhia de Chris Marker[20] e da pequena equipe técnica de cine-panfletos que registravam o dia a dia dos acontecimentos desde o início do mês de maio. Jean-Luc, que admirava aquele trabalho, pensava em se associar a eles, coisa que faria, aliás, pouco depois. Naquele momento, Chris Marker e ele trocaram um fraterno aperto de mão. Eles se perguntavam sobre a prioridade das próximas filmagens, quando alguns estudantes nos pediram para participar da corrente ou voltar rapidamente para casa: as forças policiais não tardariam a chegar, a situação se tornava mais perigosa a cada minuto.
As forças policiais?
Estavam logo ali, reunidas atrás das grades do Jardim de Luxemburgo. Não se moviam, caladas, observando. Havia quanto tempo? Não as ouvimos chegar. Somente o brilho de seus capacetes e escudos indicava sua presença. Era aterrorizador, eu quis fugir correndo enquanto ainda era tempo. Mas Jean-Luc já participava da corrente e fui ao encontro dele, seguida por Jean-Pierre.
Os paralelepípedos continuavam a passar de mão em mão. Jean-Luc e eu fazíamos o melhor que podíamos para acompanhar aquele ritmo infernal. Mas o mecanismo azeitado logo parou de funcionar: entre cada paralelepípedo, Jean-Pierre limpava as mãos com um lenço que segurava entre os dentes. Foi expulso e chamado de sabotador. Às vezes alguns abandonavam a corrente para descansar por um minuto, e eram logo substituídos por um dos inúmeros simpatizantes ou curiosos que ainda estavam na Place Edmond-Rostand. Avistei Valérie Lagrange e saí da corrente.
Valérie Lagrange era uma mulher belíssima, atriz, cantora, que eu havia conhecido durante as filmagens de Week-end.[21] Não tivemos tempo de realmente nos conhecer, mas eu tinha gostado muito dela. Ela estava tão assustada quanto eu com o que ocorreria.
Um fotógrafo do grupo de Chris Marker captou uma imagem nossa. Apareço de perfil, com o magnífico casaco cinza desenhado por Rosier que eu usava todo dia naquela época. Valérie, de frente, veste uma blusa romena bordada à moda hippie. Cada uma com um cigarro. Ao redor, vultos borrados se agitam na noite. Em nosso rosto, a mesma tensão, a mesma espera do inevitável. Ainda tenho essa foto. Foi tirada alguns segundos antes da investida da polícia.
O ataque foi massivo. As portas do Jardim de Luxemburgo se abriram de repente, liberando centenas de policiais brandindo cassetetes. Os mais próximos das grades foram os primeiros a cair sob os golpes. Os estudantes deixaram a corrente na mesma hora para se unir aos colegas atrás da primeira barricada da rue Soufflot. Jean-Luc me puxava pela mão e me guiava ao acaso, na direção do Boulevard Saint-Michel. Éramos cerca de trinta pessoas fugindo, desesperadas, aterrorizadas. Jean-Pierre Léaud, atrás de nós, não parava de gritar por socorro, pedindo aos moradores do bairro que o abrigassem. Na rue Racine, bateu em vão na porta fechada de um hotel, gritando: “Quero um quarto por uma noite… Por uma semana… Por um mês!” Na rue de Tournon, inúmeros policiais atacavam corpos já caídos e os arrastavam à força para os furgões. Luzes se acendiam em vários apartamentos e as pessoas, das janelas, insultavam os policiais. Seus gritos e berros se perdiam numa balbúrdia colossal. Ouvíamos as sirenes das ambulâncias que tentavam passar, explosões e o choque dos paralelepípedos batendo nos escudos. Jean-Luc e eu corríamos cada vez mais sem direção, sem nos preocuparmos com Jean-Pierre e Valérie, que tínhamos perdido de vista perto do Théâtre de l’Odéon. Salvar a pele era a única coisa que importava.
Descendo a toda os degraus da escada da rue Antoine-Dubois, Jean-Luc escorregou e quebrou os óculos. Ainda ficou alguns segundos no chão, atordoado pela queda, enquanto eu suplicava, quase chorando, que se levantasse e fugisse. Ele acabou voltando a si e me acompanhou agarrado ao meu braço esquerdo. De novo não via mais nada, machucou uma perna e mancava. Eu chorava de medo, de raiva, de impotência.
Os confrontos pareciam continuar mais para cima, perto do Panthéon. Pegamos a rue Saint-André-des-Arts. Ao atravessar o Boulevard Saint-Michel, vi um grande número de policiais recuando na altura da rue des Écoles sob os incontáveis assaltos dos manifestantes, agora armados de coquetéis molotov. A violência da polícia havia despertado a dos estudantes, galvanizando-a. Uma leve brisa trazia até nós a fumaça das bombas de gás lacrimogêneo que choviam das fileiras dispersas dos policiais. Com os olhos e o nariz ardendo, pegamos a pequena rue de la Huchette. Alcançamos a entrada do nosso prédio bem a tempo de escapar das tropas policiais que chegavam das margens do Sena.
Somente depois que recuperamos o fôlego, esparramados nos primeiros degraus da escada do apartamento, ao abrigo, as três trancas fechadas, comecei a repetir como uma demente que nunca mais viveria momentos como aqueles de novo, que nunca mais queria ouvir falar em barricada. Jean-Luc me apertava em seus braços e jurava que aquilo nunca mais aconteceria, que nunca mais nos exporia a tais perigos, quando o telefone tocou. Ele se levantou, cambaleando, para atender. Ouvi-o dizer “sim”, “não”, “vou passar para ela”. E me chamou: “Sua mãe!”
Desde a meia-noite ela telefonava sem parar para nossa casa e se dizia louca de preocupação. Graças à Europe 1, ela seguia ao vivo a violência dos confrontos no Quartier Latin e me imaginava ferida, ensanguentada ou coisa pior. Foi ela quem me avisou sobre a hora do ataque massivo da polícia: duas e quinze da madrugada. Perguntei se Pierre tinha voltado e ela me confessou a mentira. “Ele continua dormindo na frente da televisão desligada.” Senti alívio. Depois ela se derramou em declarações de carinho, que me surpreenderam e me comoveram, me chamando de “minha filhinha querida”, “minha criança”. Aquilo não acontecia fazia tanto tempo… Jean-Luc, que procurava e não encontrava o segundo par de óculos, começava a dar sinais de impaciência. Antes de desligar, porém, minha mãe hesitou um pouco e então soltou de repente: “Eu gostaria de ter estado lá com vocês, para lutar ao lado dos estudantes.” A jovem corajosa que ela havia sido durante a guerra e, depois, em Berlim, voltava subitamente à superfície.
Abrimos as janelas da sala. Lá embaixo, na rue Saint-Jacques, no Boulevard Saint-Germain, ambulâncias estacionavam, bloqueadas pela polícia e pelos ataques de pequenos grupos de estudantes espalhados por toda parte, naquele momento muito combativos. As luzes do que parecia ser um incêndio iluminavam o céu para os lados do Panthéon e da rue Soufflot.
Toques insistentes na campainha da porta acabaram nos acordando. O dia estava claro, o relógio marcava sete e meia da manhã. “Jean-Jock!”, disse Jean-Luc na mesma hora. Ele se levantou, eu quis impedi-lo: “Ah, não, ele não! De novo, não!” “Deve estar precisando de nós.” “Não somos os pais dele!” Jean-Luc me deixou e foi abrir a porta. Houve um longo silêncio, depois ele gritou para mim: “É Cournot!”[22]
Enfiei uma bermuda e o grande e velho suéter vermelho de caxemira que Michel havia usado nas filmagens, e que por fim acabou me dando, de tanto que eu insisti. E desde então era meu suéter fetiche, que eu usava em toda parte e em qualquer estação.
Jean-Luc havia ajudado Cournot a subir as escadas que levavam à sala e o instalava na poltrona. Agia com delicadeza, pois nosso amigo estava desnorteado, incapaz de dizer uma palavra. Ele nos encarava como se não nos visse. Depois, pareceu fazer um grande esforço sobre si mesmo e começou a falar numa voz apagada, quase inaudível.
Como quase todos os dias da semana, ele havia saído de sua casa em Sceaux[23] um pouco antes das sete horas para ir a Paris. Contudo, ao sair da estação Luxembourg, na Place Edmond-Rostand, não reconheceu nada da paisagem que costumava contemplar. Tudo estava devastado. Carcaças de carros incendiados atravancavam a praça e as ruas adjacentes, em meio a postes tombados, móveis queimados e inúmeros objetos não identificáveis. Julgando-se vítima de uma alucinação, dirigiu-se maquinalmente ao Boulevard Saint-Michel, mas também ali tudo parecia arrasado. As vitrines de vários cafés e lojas estavam quebradas, árvores reduzidas a um tronco enegrecido sucediam-se a mais carcaças de carros. As raras pessoas com quem ele havia cruzado pareciam tão desnorteadas quanto ele. “E o Boulevard Saint-Germain apresentava quase o mesmo espetáculo.” Ele nos encarou com olhos suplicantes. “Estou com a sensação de ter enlouquecido ou de ter tomado ácido sem saber, ou de que estamos em guerra. Mas uma guerra de quem contra quem? Por quê? Vocês não moram longe, então vim para cá. Para que me digam se enlouqueci, ou se estou tendo alucinações.”
Cournot e sua mulher Nella viviam sem rádio e sem televisão. Ele era um sonhador que mal se mantinha a par do que acontecia na França e no mundo: vivia de cinema, leituras e caminhadas por Paris, atento aos pequenos detalhes da vida. A família, os raros amigos e o trabalho de crítico no Le Nouvel Observateur lhe bastavam.
No início de seu relato, senti vontade de rir. Mas como tínhamos convivido por dois meses durante as gravações de seu filme, logo compreendi que sofria de verdade e que ele realmente acreditava ter enlouquecido. Então fiquei quieta, sensível à aflição daquele homem que eu amava tanto.
Jean-Luc, ao contrário, divertia-se. Tentava, com paciência e gentileza, contar o que tínhamos vivido durante a noite. Cournot se recusava a acreditar, pensava que Jean-Luc zombava dele. “Está de gozação!”, ele repetia em tom de censura. Foi então que Jean-Luc teve a ideia de ligar o rádio.
O jornalista da Europe 1 abriu o noticiário das oito horas com as seguintes palavras: “Neste sábado, 11 de maio, a França inteira acorda em estado de choque e se solidariza com os estudantes. A vitória deles é total.” E disse que, em Paris, no mínimo sessenta veículos haviam sido incendiados, e os feridos eram cerca de 367, muitos deles gravemente. Pela primeira vez, ouvimos a expressão “guerrilha urbana”.
“E então?”, perguntou Jean-Luc, em tom triunfante.
Cournot não disse nada e balançou a cabeça várias vezes, sem pronunciar palavra. O telefone tocou e Jean-Luc foi atender. O escritório ficava alguns degraus abaixo da sala, podíamos ouvi-lo falar em inglês. Como sua voz ficava cada vez mais alta e aguda, percebemos que ele estava se enfurecendo. Voltou visivelmente contrariado.
A chamada vinha de Londres. A produtora do filme sobre os Beatles contra-atacava.
Considerando que havia perdido bastante dinheiro conosco na primavera, ela tinha vendido o contrato assinado por Jean-Luc a outra pessoa que acabou convencendo os Rolling Stones. Jean-Luc, portanto, se via na obrigação de filmá-los durante a gravação do próximo disco da banda, em junho.[24] Esta sequência constituiria apenas uma parte do filme, caberia a Jean-Luc escrever a continuação. Ele estava aflito.
“Tinha esquecido completamente dessa história, do maldito contrato assinado.”
Fiquei radiante, Cournot se entusiasmou: “Você vai fazer cinema!”, ele repetiu várias vezes.
“Não quero mais fazer esse tipo de cinema, o cinema de que você fala está morto!”
Cournot se levantou, completamente recuperado de seus temores, e, como costumava fazer, abraçou Jean-Luc. “Não sei o que pensar de um sujeito que diz uma asneira dessas!”
E se despediu. Nem ele nem eu tínhamos levado Jean-Luc a sério.
*
[1] Daniel Cohn-Bendit, também conhecido por Dany le Rouge (Dany, o Vermelho), tanto por suas inclinações políticas como pela cor do cabelo.
[2] Les Pieds Nickelés eram personagens de uma antiga história em quadrinhos, protagonizada por três sujeitos pouco afeitos ao trabalho, malandros, fanfarrões.
[3] Filme de Jean-Luc Godard, lançado em agosto de 1967, no qual Anne Wiazemsky interpreta uma estudante de filosofia em Nanterre.
[4] Filme sobre Jules Bonnot (1876–1912), anarquista francês.
[5] Armand Marco (1938–2016), operador de câmera do filme La Bande à Bonnot.
[6] Filme sobre a Guerra da Indochina, lançado em 1965.
[7] Michèle Rosier (1930–2017) foi uma importante estilista, que depois se tornou jornalista e cineasta; seu marido, Jean-Pierre Bamberger (?–2014), o Bambam, na época diretor de uma tecelagem, mais tarde trabalhou como ator e produtor de cinema.
[8] Referência aos escritores François Mauriac (1885–1970), de quem a autora era neta, e seu filho Claude (1914–96).
[9] O slogan CRS = SS equiparava as forças policiais francesas (Compagnies Républicaines de Sécurité) à SS nazista.
[10] Não temos, em português, um pronome de tratamento equivalente ao vous francês, mais formal que o tu, embora não tanto como o nosso senhor. Sartre e Simone de Beauvoir, por exemplo, bem como diversos outros casais, se tratavam por vous.
[11] As siglas se referem ao Sindicato Nacional de Ensino Superior e à União Nacional dos Estudantes Franceses.
[12] Filme dirigido por Michel Cournot (1922–2007), estreado em 1968, também com Annie Girardot (1931–2011), Jean-Pierre Kalfon, Bruno Cremer (1929–2010) e a autora.
[13] Henri Langlois (1914–77), diretor e um dos fundadores da Cinemateca Francesa, foi o pivô do imbróglio que entrou para a história do cinema como “o affaire Langlois”. Em fevereiro de 1968, alegando má administração dos recursos financeiros e negligência quanto à conservação das películas, o ministro da Cultura André Malraux limitou as atribuições de Langlois ao âmbito artístico e nomeou um gestor, Pierre Barbin, que demitiu 54 funcionários e fechou a instituição, desencadeando protestos no mundo todo.
[14] A União da Juventude Comunista Marxista-Leninista foi uma organização maoista fundada por dissidentes da União dos Estudantes Comunistas, que era próxima ao Partido Comunista francês. Criada no dia 10 de dezembro de 1966, foi dissolvida em 12 de junho de 1968, por um decreto presidencial.
[15] O senegalês Omar Diop (1946–73) teve uma participação ativa no Maio de 68 e acabou sendo expulso do país no mesmo momento que Daniel Cohn-Bendit. Antoine Gallimard é diretor de uma das mais prestigiosas editoras francesas.
[16] O baccalauréat, conhecido como bac, é o exame de conclusão do liceu francês (equivalente no Brasil ao ensino médio) que permite o acesso à universidade.
[17] Versos da canção Elle N’est Pas Morte, escrita no final do século XIX pelo mesmo autor da Internacional, em memória da Comuna de Paris: “Como ceifeiros no campo/abatem maçãs,/os versalheses foram massacrados/pelo menos cem mil homens./E os cem mil assassinatos/veja o que isso vale./Tudo isso não impede, Nicolas,/que a Comuna não esteja morta!”
[18] “Eles agiram como bandidos/contando com o silêncio,/acabaram feridos em seus leitos/em seus leitos de ambulância./E o sangue inundando os lençóis,/jorrando sob a porta.”
[19] “Tudo isso não impede, Nicolas,/que a Comuna não esteja morta!”
[20] Jean-Pierre Léaud, ator que àquela altura já havia sido o protagonista de três dos cinco filmes que faria com François Truffaut, e de outros três dos oito em que trabalharia com Godard. Chris Marker (1921–2012), documentarista.
[21] Filme de Godard, lançado em 1967.
[22] O crítico de cinema e roteirista Michel Cournot (1922–2007) dirigia o filme Les Gauloises Bleues, cuja protagonista era a atriz Nella Bielski, sua mulher.
[23] Comuna francesa a 11 quilômetros de Paris.
[24] Lançado em 1968 com o nome de One Plus One, mas também conhecido por Sympathy for the Devil, o filme acabou promovendo uma briga entre Godard e o produtor, que à revelia do diretor inseriu uma cena final.
*
Trecho do livro Um Ano Depois, que a editora Todavia publicará em abril.
*
Texto atualizado em 13 de setembro de 2022.
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