ILUSTRAÇÃO: REINALDO FIGUEIREDO_2012
O tiozão do churrasco
Essa vida é uma chuleta
Renato Terra | Edição 74, Novembro 2012
Isquindô! Isquindô! Olê-lê! Abram alas para Mario Pedreira Gomes, conhecido internacionalmente como Tio Mario – um pândego que veio ao mundo com o dom, para não dizer a nobre missão de empregar a galhofa das maneiras mais criativas, por trás ou pela frente, tanto faz. Na minha presença, não há ser humano do signo de virgem que não inspire uma piada de duplo sentido. Nenhum barulho estrondoso passa impunemente sem a constatação “Caiu um lenço”, seguida de uma pausa dramática, uma expressão contemplativa e o arremate: “E, pelo barulho, é rosinha.”
Há quem diga que a alcunha “tiozão do churrasco”, que ostento com orgulho, se refere apenas ao homem roliço e bonachão que esquenta a barriga na grelha enquanto aguarda, ansioso, para fazer trocadilhos na hora de servir a linguiça. Negamos, veementemente, tamanha redução epistemológica. Tampouco é necessário que nossos irmãos tenham filhos. “Tiozão do churrasco” é uma visão de mundo, um estado de espírito. Todo homem tem, aliás, uma porção de tiozão do churrasco. Está no cromossomo Y. Se não for meio tiozão, hummm, não sei não – ahah!
Legamos à curiosidade humana questões graves como “Jacaré no seco anda?” ou “Você pinta como eu pinto?”. Sem nosso afã folgazão, ninguém saberia de cor o diminutivo de “cômico”.
Há décadas somos responsáveis por manter acesas as chamas das mesmíssimas brincadeiras. E por falar nisso: “Quer pão, preto?” “Quer presunto, gordo?”, “Tira a mão do meu Rego, Freitas.” Qual membros de uma sociedade maçônica, infiltramos convidados em festinhas de aniversário para cantar A chuva cai/ A rua inunda/ Ô, Marquinhos, eu vou comer… seu bolo, logo após o Parabéns pra você. Disseminamos brincadeiras salutares como aplicar tapas no cocuruto de outrem, acompanhados do brado “Pedala, Robinho!”.
Ochurrasco, entretanto, é o nosso hábitat, o lar de todo tiozão. E o repertório começa durante a organização do evento. Minha vida deveria vir acompanhada daquelas risadas dos sitcoms americanos – ahah!
Dou preferência a carnes que podem originar piadas, como Fraldinha, Chuleta e Picanha. Salsichão é para o aperitivo. Cada convidado, ao chegar alegre e faceiro, é surpreendido com a pergunta: “Já veio comido?” Quando algum desavisado senta à cabeceira da mesa, saco mais um gracejo com a rapidez de John Wayne: “Sentou na cabeceira? Vai pagar a conta, hein”, e o cutuco com o cotovelo no ombro. Adoro uma cutucada!
Quando não estou de camiseta, nos churrascos, visto meu avental com o desenho de um dorso masculino seminu. Faz um sucesso tremendo. Por baixo, uso apenas minha sunga preta. Depois da segunda cerveja, todos riem quando levanto o avental de um golpe só e finjo que não tem nada embaixo, gritando: “Oooolha a linguiciiiinha!!!” Tudo em nome da alegria.
Guardo ainda alguns gracejos para brindar o momento em que Dulce, minha querida senhora, traz os acompanhamentos. O arroz, quando todo grudado, ganha a alcunha de “unidos venceremos”. O feijão, com a quantidade de água que ela costuma colocar, é o “perdidos no espaço”. Peço molho à campanha só pelo prazer de chamá-lo de “molho acompanha”.
Como sobremesa, claro, faço questão de servir pavê. Sinceramente, não sou fã de doce. Mas não posso perder a oportunidade de interromper o primeiro glutão a experimentar uma garfada: “Calma Souza… é pavê ou pra comer?”
Um mestre da graceta não pode se eximir de mostrar suas intervenções pontuais para deixar a música pop mais alegre. Poucos têm a sacada hilária de cantar trechos em português com sons parecidos com as letras estrangeiras. Para evidenciar meus dotes, ligo o som e canto dois tons acima. O pessoal rola de rir com minhas tiradas fonéticas. Please don’t go se transforma em “Fiz dois gols”; Eyes without a face fica muito mais divertida quando transformo em “Azedar o peixe”.
Outra variação, bastante frequente, é parodiar canções conhecidas sempre que o tédio ameaça dar as caras. Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada. Roubou a minha mulher e ficou com a empregada, por exemplo, é risada na certa.
Quando chega uma pessoa cujo nome faz parte da letra de uma canção, então, é uma festa. Ontem mesmo, vi a esposa do Saraiva passando batom e entoei: Marina, morena, Marina, você se pintou? Em meus áureos anos de flerte, até conquistei uma namoradinha pela rapidez com que engatei Maria, Maria é um dom, uma certa magia assim que ela declinou sua graça.
O mundo das artes é um prato cheio. Quando estou com síndrome de abstinência, digo que fui ao cinema só para que alguém pergunte: “Mario, que filme você foi ver?” Posso então destilar meu cardápio: “A volta dos que não foram”, “As tranças do careca”, “Os quatro cantos da sala redonda” ou “Poeira em alto mar”. É um alívio.
Agora, um tiozão que se preze tem sempre um estoque infinito de piadas de salão.Depois da quinta ou sexta cerveja, os sentidos ficam aguçados para receber os eflúvios do Ary Toledo. Não tem como evitar. “O que é um pontinho amarelo numa plantação? É milho Santiago!”, “Qual é a melô do absorvente? Debaixo dos caracóis dos seus cabelos…”ou “Um casal sem braços teve um filho, qual o nome do filme? Ninguém Segura Esse Bebê.” Importante: é fundamental soltar aquela gargalhada assim que termina a piada para destravar os mais tímidos – ahah!
Desde os anos mais tenros (favor não confundir), a picardia mora em mim. Lembro, com clareza, o dia em que perguntei ao porteiro da manhã: “Astrogildo, que time é teu?” Ele fez um gesto efusivo com as mãos e respondeu: “O maior do mundo.” Sempre Flamengo – ahah!
Meu pai, toda vez que me apresentava a alguém, enfatizava meu nome: “Você conhece o MARIO?” Ríamos juntos. Tenho razões para crer que ele me batizou assim por causa da sua incontornável vocação para a pilhéria. Faço questão de educar meus filhos, Rolando e Bráulio, da mesma maneira.
Bem, é forte a dor do parto, mas tenho que partir. Aliás, caro leitor, você conhece a piada do “Não, nem eu”? Não? Nem eu!
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