Os democratas querem a guerra?
Em campanha eleitoral, os falcões liberais apelam para a autoridade moral dos ex-dissidentes do Leste Europeu e criticam os pacifistas para justificar a intervenção e a continuidade da ocupação
Tony Judt | Edição 14, Novembro 2007
Começou a temporada eleitoral nos Estados Unidos e os falcões liberais estão de volta. São os políticos e intelectuais que apostaram em George Bush, em 2003: votando e escrevendo a favor de uma “guerra preventiva”, uma guerra recomendável, que vingaria os
atentados de 11 de setembro, traria ordem ao Iraque, conteria o terrorismo islâmico, espalharia choque, admiração e democracia
no Oriente Médio e reafirmaria as credenciais dos Estados Unidos como uma nação bondosamente intervencionista.
O estado de espírito deles é de superioridade moral. Sim, eles admitem, o presidente George W. Bush conduziu mal sua (nossa) guerra. Mesmo que a guerra tenha sido um erro, contudo, foi um erro corajoso e positivo, e tivemos razão em cometê-lo, assim como tivemos razão em defender a intervenção na Bósnia e no Kosovo. Em suma, tivemos razão em estar errados e, por isso, vocês devem nos dar ouvidos. Temos a coragem de chamar uma espada de espada, de designar os homens-bomba muçulmanos de “islamofascistas” e de denunciar os demagogos iranianos como “pequenos Hitlers”. Somos os herdeiros das lutas antifascistas de décadas anteriores, e nossa batalha pela liberdade e contra o terrorismo é a causa definidora de nossa época.
Ouviremos muito mais coisas desse teor nos próximos meses. E existe um detalhe novo. Com todas as suas deficiências, a guerra do Iraque – agora somos lembrados – teve credenciais morais impecáveis: ela foi e continua sendo apoiada por importantes intelectuais europeus, com destaque para ex-dissidentes como Adam Michnik e Vaclav Havel. Eles entendem o mal e a necessidade de os Estados Unidos tomarem uma posição. Nós também entendemos. Nossos críticos domésticos simplesmente não “sacam”. São apaziguadores e derrotistas.
Trata-se de um discurso sedutor. Mas, antes que conquiste o Partido Democrata – por razões compreensíveis, o discurso tem muito apoio nos círculos pró-Hillary Clinton –, vejamos algumas considerações divergentes. Em primeiro lugar, não devemos nos empolgar tanto com o apoio de dissidentes do Leste Europeu à guerra. Sua coragem pessoal é inquestionável. O mesmo não se pode dizer de seu julgamento político, moldado (como os pontos de vista do falecido papa polonês) pela vida sob o comunismo e a necessidade de escolher entre certo e errado, bem e mal – uma escolha inflexível que eles (à semelhança do presidente Bush) subseqüentemente projetaram no domínio mais complexo das relações internacionais. Vaclav Havel é agora co-presidente do Comitê sobre o Perigo Presente, um lobby em Washington de ex-defensores fanáticos da guerra fria, reciclados como chefes de torcida da Guerra Global contra o Terrorismo.
A defesa do intervencionismo liberal nada tem a ver com a guerra do Iraque. Aqueles dentre nós que insistiram numa ação militar americana na Bósnia e no Kosovo o fizeram pelos seguintes motivos: a) recusa dos outros (União Européia e Nações Unidas) em se envolver de maneira efetiva; b) ameaça demonstrável e imediata a direitos e vidas; e c) estava claro que poderíamos ser eficazes daquela maneira, e de nenhuma outra. Nenhum desses fatores se aplicou ao Iraque, razão pela qual me opus à guerra. É certo, no entanto, que a intervenção militar americana em casos urgentes, daqui em diante, será bem mais difícil de justificar e explicar. Os falcões liberais têm sido rápidos em atacar os críticos pacifistas das forças armadas americanas e tornou-se ponto pacífico que os liberais jamais devem depreciar as Forças Armadas. Mas por que não? Soldados precisam respeitar os generais. Civis não precisam. Numa sociedade livre, é um sinal de saúde cívica quando generais são expostos ao pelourinho por se imiscuírem em questões políticas. Não é bom para a república que todos tenhamos que “apoiar nossas tropas”, incondicionalmente, e que os políticos façam questão de ser fotografados em companhia dos milicos. Uma república cujas autoridades eleitas se escondem atrás de guerreiros condecorados está em apuros. Os democratas liberais deveriam se perguntar se, em meio ao culto atual aos “heróis” militares, um presidente americano ousaria demitir um Douglas MacArthur por insubordinação – como fez Harry Truman em 1951 –, e o que nossos falcões liberais diriam se ele o fizesse.
Finalmente: numa democracia, a guerra deveria ser sempre o último recurso – por mais nobre que seja a causa. “Conversar”, como Winston Churchill lembrou a Dwight Eisenhower, “é sempre melhor do que guerrear.” Portanto, da próxima vez que alguém vier com argumentos sentimentais
a favor da intervenção armada no estrangeiro, em nome de ideais liberais ou “lutas definidoras”, lembre o que Albert Camus disse sobre a propensão de seus colegas intelectuais de encorajarem os outros à violência desde que a uma distância segura deles próprios. “Idéias equivocadas sempre acabam em derramamento de sangue”, ele escreveu, “mas é sempre o sangue de outra pessoa. Por isso alguns de nossos pensadores se sentem à vontade para falar sobre quase tudo.”
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