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    Maior concorrente do TikTok na China, o Kwai fez do Brasil seu maior mercado internacional, com 48 milhões de usuários no Brasil (AFP)

questões digitais

Ministério Público investiga Kwai por fake news e clonagem de contas

Procurador, que se baseou em reportagem da revista piauí para abrir o inquérito, vai ouvir também Apple e Google sobre os motivos de a rede social ter sido banida nos Estados Unidos

Pedro Pannunzio | 18 jan 2024_07h47
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O Ministério Público Federal abriu, nesta quinta-feira, um inquérito para apurar a conduta da rede social de vídeos curtos Kwai no Brasil. A investigação, feita em São Paulo, é conduzida pelo procurador Yuri Corrêa da Luz, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, conforme portaria publicada no diário eletrônico do MPF de hoje.

O inquérito tem como base a reportagem Central de Manipulação, publicada na edição de janeiro da piauí, a partir da análise de documentos internos e de entrevistas com funcionários e ex-funcionários da empresa. O artigo revela que a big tech chinesa, maior concorrente do TikTok, cometeu uma série de irregularidades na escalada para fazer do Brasil seu maior mercado internacional, com 48 milhões de usuários ativos (o dobro do X, segundo dados da ComScore).

O Kwai clonou o perfil de usuários de outras redes sociais – inclusive perfis institucionais, como o do Tribunal de Justiça de São Paulo -, em uma operação na qual importou também os vídeos e legendas da conta original. Além disso, a plataforma contratou agências terceirizadas para produzir conteúdo viralizante, o que acabou resultando em vídeos problemáticos de diversas naturezas, como notícias falsas sobre vacinas, urnas eletrônicas e as eleições presidenciais de 2022, como o boato de uma iminente intervenção militar às vésperas do primeiro turno.

Esses posts encomendados eram registrados internamente como KwaiCuts, um rótulo que só ficava visível para quem tinha acesso ao sistema interno de publicação, mas não para os usuários. O Kwai também impulsionou candidatos à Presidência da República, o que contraria as regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que permite os boosts feitos pelas próprias campanhas, e de forma transparente. O primeiro foi Jair Bolsonaro. Mais tarde, fez o mesmo com Lula. Enquanto isso, publicamente a empresa assinou um compromisso com o TSE de ajudar a combater as fake news em seu feed.

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão também é responsável pela condução de inquérito que investiga possíveis violações de direitos fundamentais cometidas pelas consideradas “sete principais plataformas digitais operantes no Brasil (YouTube, TikTok, Instagram, Facebook/Meta, Twitter/X, WhatsApp e Telegram).” Na portaria, que também cita uma denúncia anônima, o MPF aponta uma “peculiaridade agravante” em relação ao caso Kwai: “Enquanto as sete plataformas digitais citadas estão sendo investigadas por eventuais omissões em face de conteúdos desinformativos produzidos e circulados por terceiros em seu ambiente, os controladores da plataforma Kwai, segundo noticiado, estariam eles próprios produzindo/encomendando e circulando conteúdos desinformativos.” Esse elemento, conforme frisa o documento, impede o Kwai de se ancorar no Marco Civil da Internet, que define as plataformas de redes sociais como meros intermediadores de conteúdo, sem que possam ser responsabilizadas pelo conteúdo produzido por terceiros. 

O inquérito expediu ofícios contra o Kwai e as agências de conteúdo citadas pela reportagem da piauí, que agora terão de prestar esclarecimentos sobre as denúncias ao MPF. Além disso, Google e Apple também serão chamadas para explicar as razões pelas quais o aplicativo deixou de ser disponibilizado na Play Store e na Google Store nos Estados Unidos (onde tinha o nome de Zynn). No país, uma reportagem da revista Wired apontou que o app era “cheio de conteúdo roubado” – o texto não apontava, porém, que essa apropriação indevida era feita pela própria empresa.

Procurado pela piauí, o Kwai ainda não comentou a investigação. Na reportagem da edição de janeiro, a empresa afirma que tem uma série de mecanismos para combater notícias falsas e aprimorar a qualidade de seu conteúdo.

A clonagem de perfis “não institucionais” (ou seja, de pessoas físicas e empresas privadas) também é citada no inquérito, mas não entrou no escopo da investigação por ser um tema fora das atribuições da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, segundo explica a peça. Ainda assim, o Kwai tem tido de prestar esclarecimentos sobre o assunto, já que começa a enfrentar uma onda de processos nos tribunais de justiça do país. As ações correm em ao menos três locais diferentes – no Distrito Federal, no Ceará e em São Paulo – e pedem indenização por conta do conteúdo surrupiado de outras redes sociais, notadamente o TikTok.

Esse tipo de ação já corria nos tribunais desde o ano passado, mas até então não havia prosperado. O Kwai alegava que não tinha responsabilidade sobre o conteúdo produzido por terceiros e a reclamação era encerrada. A reportagem da piauí revelou que o argumento era falso. As contas clonadas (classificadas internamente como CC-0) eram, na verdade, parte da estratégia de crescimento da empresa no Brasil, seu principal mercado internacional.

Depois da publicação da reportagem, a deputada estadual Andréa Werner (PSB-SP) ingressou com uma ação no dia 8 de janeiro. “Vi a reportagem e acionei meu gabinete. Uma pessoa fez a procura e me avisou que meu perfil estava lá [no Kwai].” O perfil falso da deputada foi removido, mas, em um primeiro contato da piauí, ela disse que não pretendia desistir da ação. “É importante que a empresa tome uma atitude, para que não aconteça mais. Eu sou uma grande reforçadora da necessidade de regular as redes sociais. Já passou da hora de discutir isso seriamente.” O Tribunal tinha determinado o prazo de cinco dias para que o Kwai fornecesse todos os dados relativos ao registro de acesso da conta falsa, o que permitiria localizar a origem da fraude. No dia em que o prazo venceria, um acordo foi firmado e o processo foi extinto. Por meio de sua assessoria de imprensa, a deputada informou que o acordo é confidencial e que ela não poderia comentar nada a respeito. 

A outra ação que foi aberta no TJ-SP depois da publicação da piauí é a do advogado João Raposo, que também teve a conta clonada, e é citado na primeira reportagem. Na decisão inicial, o juiz Marcos Blank Gonçalves, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Jabaquara, determinou que o Kwai fornecesse dados relativos à conta clonada em um prazo de quinze dias. Em caso de descumprimento, o juiz diz que vai entender “como verdadeiros os fatos alegados na petição inicial”. Ou seja, a reclamação de Raposo será considerada, nesse caso, legítima. O prazo será de quinze dias contabilizados a partir do momento em que o Kwai for notificado.

No dia 8 de janeiro, uma segunda-feira, o Kwai se preparava para seu maior momento de visibilidade no Brasil, com a estreia do programa Big Brother Brasil, do qual se tornou um dos patrocinadores (segundo a publicação especializada Meio&Mensagem, adquiriu uma das cotas de 34 milhões de reais pelos três meses da atração). Às 18h35, o perfil do Kwai no X publicou uma resposta a um usuário que celebrava a estreia do reality show – e a apagou minutos depois. A mensagem começava com a sentença: “Devido à matéria da revista piauí, vamos evitar falar de cortes, ok?” No mesmo post, trazia um outro trecho entre parênteses: “Sugestão: já pode estourar o champanhe ou ainda tá cedo? Porque eu já tô pronto pra me alienar lá no meu app!”

O post publicado pelo perfil do Kwai no X, e apagado minutos depois

 

Procurado pela piauí, o Kwai não respondeu do que se tratava a mensagem – e se os “cortes” são uma referência aos KwaiCuts. 

Depois de apagar a postagem, aparentemente feita por descuido, o perfil do Kwai republicou às 19h22 a mensagem correta: “Já pode estourar o champanhe ou ainda tá cedo? Porque eu já tô pronto pra me alienar lá no meu app!”

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