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    Foto de Luana Almeida

pandemia na quebrada

“Morreu e foi levado num caixão lacrado”

Com chegada da covid-19 à periferia, comunidades criam rede solidária para obter cestas básicas e distribuem manual de sobrevivência com dicas sobre a doença

Luana Almeida | 10 abr 2020_15h33
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Uma morte confirmada por covid-19, outra suspeita. O bairro União de Vila Nova, localizado no distrito de Vila Jacuí, no extremo Leste de São Paulo, já precisa lidar com infecções pelo novo coronavírus, mas enfrenta a precariedade da assistência médica pública, a subnotificação e a falta de renda da população. Em seu quarto depoimento à piauí, a produtora cultural Luana Almeida, de 24 anos, relata como tem se organizado para formar uma rede de informação e cooperação entre vizinhos, diante do vácuo do poder público. União de Vila Nova fica a quase 30 km do Centro da capital paulista. Alaga todo ano em época de chuva, motivo pelo qual é conhecido como Pantanal. 

Em depoimento a Thais Bilenky

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Na quarta (8) fui ao posto de saúde, pessoas já começaram a morrer. Tivemos duas mortes aqui na Vila, só que uma foi de uma moça que já estava internada, uma história confusa. Ela tinha problema nos rins, teve pneumonia e aí morreu. A outra é o pai de uma moradora daqui, devia ter uns 55 anos. Morava no terceiro condomínio da minha rua. Até de tarde não tinha nenhum caso; à noite soube que ele morreu e que foi de corona. Teve o caixão lacrado. 

No posto de saúde, de quase quarenta agentes de saúde, só sete estão rodando pelo bairro. Os outros foram todos afastados. Estão em casa. A gerente está de licença. O único atendimento que eles estão fazendo é se tiver problema respiratório. Quando as pessoas estão sintomáticas, eles atendem. Nos casos leves, as pessoas estão sendo orientadas a voltar para casa. Em casos avançados, estão saindo de ambulância. Até o momento saiu um menino de lá [de ambulância], e não era covid. Era pneumonia. Fiquei me questionando… Será que fez o teste? Espero de coração que tenham feito teste no hospital. Sei de uma moça que postou no Facebook que deu positivo. Estava em casa, não ficou no hospital. 

Na quinta-feira (9) tinha mais profissionais na porta do posto de saúde. Cheguei, a moça ficou me olhando… e falou: “Você é a filha da moça ali perto da creche, né?” Já sabia até o nome da rua da minha mãe. É uma coisa muito afetuosa ter pessoas da Vila trabalhando no posto de saúde. Conhecem o histórico de cada família. Mas ficou muito claro como somos tratados com relação à saúde, que não é prioridade. 

Amanda [sua amiga e vizinha] e eu começamos a andar pela Vila para entender o que as lideranças e espaços que ainda estão abertos estão fazendo para a gente formar uma rede e estar ciente do que está acontecendo. Percebi a necessidade de mulheres autônomas, em sua maioria – não é à toa esse auxílio para mulheres chefes de família ser de R$ 1200 [o dobro do valor padrão]. Realmente são as mulheres, como as agricultoras aqui do bairro, que foram impactadas diretamente com a crise. Como outras autônomas, que têm custos fixos, contas de água, luz, telefone, internet, medicamento dos filhos. Não é que cestas básicas não sejam importantes, mas a gente entende que, para além da cesta básica, o aporte financeiro é muito necessário. 

Estou escrevendo um primeiro projeto para arrecadar grana para conseguir custear as despesas das mulheres autônomas. Tem uma que vende pipoca. Por conta da necessidade, as mulheres empreendedoras continuam fazendo, produzindo. Um prima costureira está fazendo máscara de tecido. Ela faz, minha mãe leva para o hospital [Pérola Byington, onde trabalha como auxiliar de limpeza] e ajuda nas vendas. É sobre isso que estamos falando, pequenos grandes movimentos. 

Em se tratando de serviços, não são todas que conseguem oferecer. Então tudo o que ela for oferecer, se não puder ser entregue agora, de preferência que o dinheiro seja entregue agora e depois a gente pensa como vai devolver em forma de evento ou serviço.

Cartazes com dicas sobre a prevenção da covid-19

 

Todo mundo sabe que não é uma cesta básica que vai salvar a Vila, não vai ser um kit de higiene. Mas se a gente conseguir agir no território em que a gente está, nossa…  Não consigo transformar a Vila toda, nem é isso que eu quero. Se eu conseguir impactar a minha rede, pessoas próximas, já é uma baita satisfação. Fiquei muito satisfeita com os movimentos porque cada um visou entender as necessidades dos moradores que estão próximos. A gente foi procurar no Nua [Instituto Nova União da Arte, uma organização cultural local] se dava para fazer impressões dos lambes [cartazes] para colar. Imprimi uma quantidade de lambe. Eles estão mapeando famílias para distribuir cesta básica, botijão de gás, uma cesta de verdura. Ganhei uma para dividir com a minha mãe.

As realidades das periferias se parecem tanto que aquele [canal no YouTube] Enfrente, da Fundação Tide Setubal, convidou a Amanda e a mim para participarmos de uma live  para conversar com outras pessoas que se movimentam nas suas periferias. Para trocar ações. Pessoas de Paraisópolis, do Complexo do Alemão…  A Ocupação, um movimento cultural de Ermelino Matarazzo [bairro próximo], está fazendo um trabalho incrível. Não tem por finalidade atender todo mundo, mas ser um espaço aberto. Já ajuda muito a comunidade, num momento como esse não se sabe a quem recorrer. Eles receberam doações de alimentos, estão fazendo cestas básicas, articulação e comunicação com o bairro. A gente pegou uns lambes de lá e distribuiu aqui. Consigo me conectar com o movimento de Ermelino, é outra quebrada, a gente está ligado, nossos movimentos são parecidos. Consigo usar na minha quebrada o material que eles usam para se comunicar naquela quebrada. Estou muito emocionada. Cansada, porém emocionada. 

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