Gregorio Santiago Montes e Jorge Luis Borges - Foto: Reprodução/Redes sociais
O amigo adolescente de Borges
A vida de Gregorio Santiago Montes, que conquistou a admiração do escritor argentino ao responder sobre ele em um programa de tevê e depois se tornou professor da Faculdade de Medicina da USP
“Parece-me muito feliz o projeto de que todos aqueles que o conheceram escrevam sobre ele.”
J.L. Borges em “Funes, o memorioso”, conto do livro Ficções (1944)
O destino, por vezes, nos presenteia com pessoas extraordinárias. Elas nos modificam para melhor; reacendem ideais que supúnhamos perdidos para sempre; enriquecem o difícil ofício de viver. Em dias como os que temos passado nos últimos tempos – marcados pelo desprezo ao bem comum, pelos discursos ignorantes ou espantosamente caracterizados pelo ódio –, talvez seja importante alargar o conhecimento público de uma figura excepcional, que honrou a Universidade de São Paulo e o Brasil. Um ser humano na mais legítima acepção do termo, sinônimo de civilidade e, se não bastasse: humilde e generoso.
Trata-se de Gregorio (Goyo) Santiago Montes, que foi professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP. Nascido no dia 1º de abril de 1952 em Adrogué, cidade bucólica da Grande Buenos Aires, fluente em inglês (pela ascendência britânica de sua mãe) e leitor voraz somente do que lhe interessava, Gregorio cedo mergulhou no universo do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Aos 16 anos, motivado pelo desejo de comprar um cavalo, iniciou sua participação no Odol Pregunta por un Millón de Pesos, famoso programa de perguntas e respostas do Canal 13 da tevê argentina patrocinado por um produto de higiene dental, respondendo sobre a vida e a obra do maior monumento literário de seu país.
Durante dois semestres consecutivos, foi campeão de audiência e arrebatou o prêmio máximo, quantia respeitável na época – que só não usou para comprar o sonhado cavalo porque um tio paterno se antecipou e deu a ele uma égua, Jitana (com J mesmo, diferentemente de todas as outras gitanas), como incentivo para que não deixasse a atração televisiva antes do final. O próprio autor de Ficções se interessou em comparecer a um dos programas para conhecer o “memorioso” rapaz (assim ele costumava se referir ao prodígio – que, sabia bem, se contrapunha a seu personagem Funes, do célebre conto incluído naquele volume de 1944, o qual, apesar da incrível memória, “não era muito capaz de pensar’’, que é “esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”).
Logo após ganhar 1 milhão de pesos, Gregorio passou a frequentar, como leitor convidado, as aulas de anglo-saxão que Borges ministrava no apartamento de sua mãe na Calle Maipú, em Buenos Aires. Separados por 53 anos de idade, tornaram-se amigos. Do reduzido grupo de alunos fazia parte María Kodama – “a síntese da cortesia oriental”, como diria mais tarde o escritor em uma entrevista à revista Libre (1985) –, que pouco tempo depois se tornaria companheira de Borges por toda a vida. Àquela altura, no entanto, o gênio argentino ainda estava casado com Elsa Astete. Com ela chegou a ir de trem até Adrogué para visitar Gregorio, acometido de uma grave hepatite, preocupado com a saúde do novo amigo e sentindo sua falta nas aulas de inglês antigo.
Adrogué era uma velha conhecida de Borges, lugar recorrente em suas lembranças, contos e poemas, onde passara férias de verão na infância e juventude. Marcos, o mais novo dos quatro irmãos de Gregorio (três homens e uma mulher), hoje um ator de primeira grandeza, estabelecido em Buenos Aires, nos conta que ao final daquela tarde de boas conversas e chá, sua mãe, Marta, carregou o grande homem das letras em seu Citroën desmantelado, e levou-o a percorrer as amplas ruas de pedra e a revisitar o velho casarão onde, anos antes, se erguera o Hotel Las Delicias que lhe acolhera tantas vezes na cidade.
Foi por aquele período que Gregorio se viu diante do que entendeu como uma encruzilhada profissional: seguir letras ou medicina veterinária? Por alguma influência recôndita, cujo mistério só aumenta quando se procuram explicações, o “memorioso” separou-se gradualmente do gigante da literatura hispânica e decidiu ser médico veterinário, ingressando na Universidade Nacional de La Plata.
Durante a graduação na Faculdade de Ciências Veterinárias, começou a frequentar reuniões para pesquisas científicas da universidade, deparando-se em certas ocasiões com uma situação inédita para ele: frente a uma pergunta, alguém se antecipava e dava uma resposta na qual Gregorio não havia pensado. Até então, tinha sido sempre o precoce, o brilhante, um indivíduo muito acima da média. Agora, naquele círculo seleto, sentiu que estava entre pares – e se encontrou na carreira.
Formado em 1974, Gregorio doutorou-se na própria Universidade de La Plata no ano seguinte. Em 1977, tornou-se professor titular da cátedra de anatomia e fisiologia comparadas na Universidade Nacional de Lomas de Zamora e ganhou dois importantes prêmios científicos: Estímulo a la Investigación Científica, outorgado pela Sociedad Científica Argentina, e Diez Jóvenes Sobresalientes, com um júri presidido por ninguém menos do que Luis Federico Leloir, Nobel de Química de 1970. Gregorio tinha na ocasião apenas 25 anos de idade.
Com catorze meses no cargo, surgiu-lhe a oportunidade de vir para o Brasil: uma bolsa da Fundação Rotary, de Illinois (EUA), para fazer um estágio de docência e pesquisa na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. (Registre-se que, embora tenha sido curta sua passagem em Lomas de Zamora, como catedrático e como diretor do Departamento de Investigações Científicas e Técnicas, a universidade local abriria, muitos anos depois, em 2012, o Museo de Morfología Animal Dr. Gregorio Santiago Montes, em sua homenagem.)
É preciso reconhecer: um argentino com inglês perfeito decidir se aperfeiçoar no Brasil bancado por uma bolsa americana não tinha nada de trivial. Sobretudo se levarmos em conta que no fim da década de 1970, em face da ditadura militar nos dois países, a migração de cérebros argentinos e brasileiros para os Estados Unidos, a Inglaterra e a França era rotineira.
Gregorio, contudo, nunca se arrependeria da decisão de se mudar para cá (até se naturalizou brasileiro). Um dos motivos para tanto veio à luz em uma bela noite de maio de 1996, quando ele foi empossado membro da Academia Brasileira de Ciências. Após jantarem juntos, Gregorio e a amiga Elia Caldini – que, não é impróprio ressaltar, integra o grupo de autores deste artigo – foram caminhar pela Praia de Copacabana.
Com roupa de festa e sapatos na mão, sentaram-se em uma daquelas canoas do Posto 6. Gregorio estava emocionado: “Receber essa honraria significa muito, e a cerimônia ter sido no Rio de Janeiro traz tanta poesia…” Contou, então, que viera ao Brasil pela primeira vez aos 19 anos, com um grupo de amigos, para acampar justamente no Rio. Ao chegarem, tinham armado suas barracas logo ali, ao lado do Forte. Na manhã seguinte, ele acordara assustado, o calor abrasador, o vermelho tomando conta de tudo. Só pensou que precisava saltar de dentro da barraca e fugir do fogo. Não havia, entretanto, incêndio algum. Era apenas o amanhecer em Copacabana, com o sol incendiando céus e águas. “Foi naquele instante, sob o impacto de tanta beleza, que eu soube que tudo faria para viver no Brasil”, recordou.
Na veterinária da USP, suas aulas práticas de dissecação pélvica em grandes animais logo se tornaram verdadeiros espetáculos a que os alunos queriam assistir na primeira fila. Porém, seu sucesso imediato não foi bem recebido por alguns. Na mão contrária, quem o aceitou, com enorme alegria, foi o professor Eros Erhart, neuroanatomista, do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade. Percebendo que Gregorio era um talentoso microscopista, Erhart aconselhou-o a procurar a supervisão do professor Luiz Carlos Uchôa Junqueira, histologista renomado internacionalmente: “Ele será um supervisor à altura da sua capacidade”, acentuou.
Pelo telefone, Gregorio combinou o encontro na Faculdade de Medicina da USP. Ao bater à porta, foi atendido por alguém que lhe pareceu ser um pintor de paredes, que dava os retoques finais na sala vazia. “O senhor sabe onde posso encontrar o professor Junqueira?” A resposta veio inesperada: “Sou eu mesmo.” E o histologista lhe estendeu um pincel para que terminassem juntos o serviço enquanto conversavam. Estava começando a nascer ali o Laboratório de Biologia Celular. Com Junqueira como seu mentor em pesquisa científica, Gregorio passaria a se dedicar à investigação em biologia e patologia celular; algo que faria para o resto de sua existência.
Com seus títulos de médico veterinário e doutor em ciências veterinárias revalidados no Brasil, Gregorio venceu, em 1983, um concurso que lhe possibilitou ser contratado como docente no Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. No ano seguinte, faria o exame para livre-docente e, em 1986, o concurso para professor adjunto.
Estabelecido no Brasil, Gregorio se atormentava com os prejuízos que a ditadura militar argentina havia causado a sua escola de origem, a Faculdade de Ciências Veterinárias da Universidade Nacional de La Plata, em especial nas cátedras de anatomia: os bons docentes e técnicos qualificados tinham sido afastados e até mesmo o patrimônio inestimável de mais de 2 mil peças anatômicas (que eram as meninas dos olhos de Gregorio) fora vítima do descalabro. Eram articulações transformadas em ninhos de aranhas, corações apodrecidos, cérebros desaparecidos, dentes, garras e cascos espalhados por todo lado, enfim, a tradução anatômica do caos que as ditaduras provocam.
Com a abertura democrática, na primeira oportunidade, em 1985, em menos de vinte dias disputou com outros candidatos duas cátedras na Universidade Nacional de La Plata, sagrando-se vencedor em ambos os concursos. Empossado, pediu licença sem vencimentos, não sem antes corrigir algumas injustiças perpetradas pela Junta Militar: demitiu muitos por falta de qualificação para o cargo que ocupavam, assustou outros que não voltaram nem mesmo para buscar suas coisas e convenceu a competente Dra. Cristina Rene Alonso, que havia sido a alma daquelas cátedras em outros tempos, a deixar Lomas de Zamora para voltar a La Plata. Em menos de um ano, com a casa arrumada, abdicou das duas posições vitalícias – para desencanto de seus pais, Marta e Roberto (hoje já falecidos), que haviam alimentado a esperança de ter Gregorio por perto novamente.
No Departamento de Histologia e Embriologia da USP, empenhou-se em ser um modelo positivo de pesquisador, apoiando jovens cientistas no começo de suas carreiras. Reformou o Laboratório de Histoquímica, tornando-o um centro multiusuário, aberto aos pós-graduandos para seus experimentos. Tamanha generosidade intelectual contrastava com o ambiente à sua volta. Isolado, em maio de 1988, Gregorio pegou seus livros e dois quadrinhos que havia ganhado do professor Junqueira alguns dias antes e transferiu-se para o Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, onde permaneceu até a sua morte. Em um dos quadrinhos, estava escrito um famoso quarteto espanhol anônimo: “Llegaron los sarracenos/ y nos molieron a palos/ que Dios ayuda a los malos/ cuando son más que los buenos” (Chegaram os sarracenos/ e nos moeram a paus/ pois Deus ajuda os maus/ quando são mais que os bons). No outro, lia-se a frase apócrifa atribuída a Dom Quixote, mas jamais escrita por Cervantes: “Ladran, Sancho, señal que cabalgamos (Latem, Sancho, é sinal de que cavalgamos).
Além de sua imensa cultura, Gregorio era um professor universitário incrivelmente vocacionado e ciente do que significa tal função. O modelo predominante nas instituições de ensino superior do Brasil é de uma organização que congrega unidades profissionalizantes. Ora, uma estrutura como essa não se sustenta frente à complexidade do mundo atual. A universidade, nos dias de hoje, precisa ter como ponto central uma visão integrada de conhecimentos, formando pessoas aptas a propor soluções para incontornáveis desafios como, por exemplo, o da sustentabilidade, do aquecimento global, da desigualdade, da violência e da saúde, em sua inteireza, combinando aspectos técnicos, sociais, humanísticos.
Em 1996, Gregorio inaugurou esse caminho ao criar o Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental, congregando, de maneira inédita na Faculdade de Medicina, alunos e orientadores oriundos de diversos campos do saber – e não exclusivamente médicos – para desenvolver pesquisa de qualidade na área da saúde. Nas suas próprias palavras: “Os avanços científicos mais recentes mostraram que as fronteiras do conhecimento tendem a ser menos nítidas; por exemplo, hoje em dia, moléculas e psicologia estão mais próximas do que nunca; outro exemplo são as questões da saúde e meio ambiente, que pressupõem a interdisciplinaridade nos aspectos biomédicos, sociais e econômicos.”
Nesses 25 anos de atividade, o Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental formou 916 mestres e doutores, sempre fiel ao princípio fundante proposto por Gregorio: “A diversidade não pode ser encarada como um fardo; ao contrário, deve ser vista como proposta e fonte de riqueza de recursos materiais e intelectuais.”
O ponto convergente da crise vivida pelas instituições de ensino superior em todo o planeta é a falta do universo na universidade. É imperioso combinar a alta tecnologia com um núcleo que contenha e oriente o todo; um centro que estude e que discuta o saber global, que mantenha a base humanista. A universidade deveria ser o ambiente propício para que a tecnologia dialogasse com a utopia de se criar um mundo melhor, mais permeável às necessidades humanas. Aqui, novamente, cabem as palavras de Gregorio: “A universidade deve fazer parte da vanguarda e assumir as suas responsabilidades com projetos claros de ação, propondo mudanças e lutando por sua realização, já que o espírito universitário significa ter a motivação e a coragem de mudar sempre (desenvolver a capacidade de evolução, formar cada vez melhor), e ter também a consistência, para não fazer mudanças levianas.”
Gregorio era uma das raras pessoas que combinavam o diálogo entre o ábaco e a rosa, como proposto pelo matemático e homem de letras polonês Jacob Bronowski (1908-1974), possuidor que era de uma cultura universitária admirável, aliada a uma extensa cultura geral. Sobre Jorge Luis Borges fez várias palestras, no Brasil e no exterior – como na Universidade Harvard (EUA), em 2000 –, e escreveu um ensaio em espanhol: “La Intrusa” en la Vida de Borges publicado na revista literária portenha Proa (v. 42: pp. 93-96, 1999), em uma edição especial comemorativa pelo centenário de nascimento do autor de O Aleph (1949), que, aliás, fora seu diretor. Conhecia uma quantidade imensa da literatura inglesa e espanhola e, quando disposto, recitava páginas e páginas de memória. Com a mesma alegria, cantava todos os clássicos do baiano Dorival Caymmi (1914-2008) e declamava os versos dos mais intensos tangos.
Embora sua riqueza intelectual fosse renascentista – “polímato” seria, sob esse aspecto, o melhor adjetivo para Gregorio, com o perdão pelo desuso do termo –, ele não era propenso ao comércio fácil de ideias; quase não se engajava em debates filosóficos ou culturais. Possivelmente, não sentia necessidade alguma de praticar esse exercício; apenas atendia a solicitação do meio. Meio, a propósito, que lhe foi, inúmeras vezes, bastante hostil ou ausente.
Na Faculdade de Medicina da USP, o fato de Gregorio ser argentino, médico veterinário, corajoso e capaz, fez com que sua pretensão de galgar o posto de professor titular fosse objeto de intensa campanha contrária, apesar da abundância de pesquisa científica publicada, de dezenas de orientações de alunos concluídas e dos importantes cargos que ocupava na instituição. Muitos se recordam da comoção na saída de Gregorio da Sala da Congregação, após perder o concurso, quando caminhou por um longo corredor humano, sob efusivos aplausos, até o seu gabinete. Depois do episódio, as qualidades de Gregorio ficaram ainda mais evidentes e admiradas. E, como atesta seu currículo, sua produção científica e dedicação à universidade cresceram exponencialmente.
Gregorio Santiago Montes, o Universitário, não existe mais. Morreu aos 50 anos, em 2002, devido a um linfoma. Aqueles que tiveram o privilégio de conviver com ele ficaram irremediavelmente mais pobres porque a cultura não vive de lembranças, mas de diálogo. A Faculdade de Medicina da USP ficou mais pobre, pois a formação do médico demanda qualificação técnica emoldurada por ideais e princípios. Ficamos todos mais pobres desde então.
E quanto ao Gregorio Pessoa? Como era ele? Era incrivelmente ativo, concentrado, intelectualmente curioso, conversador eloquente e loquaz, argumentador fino, interlocutor agressivo, todavia sem arrogância, opositor franco e ético, auxiliador compreensivo, conselheiro leal e sincero. Ninguém poderá esquecer de sua habilidade analítica. Não importa quão complexo e intrincado fosse o caso: Gregorio identificava o coração do problema e rapidamente apresentava alternativas para sua solução, exercendo essa habilidade com incomensurável senso de humor.
Muitos que, neste momento, ainda conseguem revê-lo, talvez se sintam como Marcos Montes, que escreveu o seguinte em resposta às nossas condolências, pela morte de Gregorio naquele devastador dia 19 de outubro de 2002:
“Vejam, quando soube da morte dele, falei para Deus: ‘Graças, Deus meu, não só por permitir conhecer uma pessoa tão especial e irreplicável, senão que essa pessoa também foi meu irmão e que me amou.’ Olhem, nessa hora eu já não posso lamentar tanto a morte dele, mas, antes, considero quanta felicidade me deu e, então, eu me sinto milionário de amor, e acho que esta é a melhor forma de homenageá-lo.”
Gregorio era profundamente religioso. Começava o dia rezando: “Dai-me, Senhor, coragem e alegria para escalar o cume deste dia.” Essa devoção talvez seja sua faceta menos conhecida. Ajudava em obras de caridade e, com muita generosidade, colaborou para a reconstrução do teto e das torres góticas da Igreja da Consolação, onde podia ser encontrado todos os domingos ao final da tarde. Dizia que, ao se aposentar, iria exercer sua verdadeira vocação: ser catequista.
Ainda que tenha feito mais de uma centena de apresentações sobre temas da biopatologia celular, sua última conferência se intitula “Borges leído por un científico” (Borges lido por um cientista) e foi ministrada aos membros da Academia Malagueña de Ciencias, na Espanha, em abril de 2002. Entretecendo fragmentos da obra do genial escritor, Gregorio apresentou um exercício intelectual de investigação das características comuns entre Literatura e Ciência. Assim sendo, de maneira esplêndida, pouco tempo antes de morrer, ele se revelou uno, indiviso, ao demonstrar as convergências entre aqueles dois caminhos que lhe pareceram tão divergentes na juventude. Sua fala ressalta, especialmente, que ambas, literatura e ciência, se desenvolvem no tênue limite existente entre a fantasia e a realidade, entre a hipótese derivada da imaginação e a realidade da experiência. Como a obra fantástica de Borges, o legado de Gregorio nos ensina que os sonhos podem ir progressiva e paulatinamente contaminando a realidade.
Essa conferência está publicada na íntegra no Boletín de la Academia Malagueña de Ciencias (v. 5: pp. 218-225, 2003). Ao final do texto, lê-se uma nota, acrescentada durante a edição, por José Becerra Ratia, vice-presidente da referida academia, comunicando a morte do Professor Gregorio Santiago Montes e trazendo à luz uma mensagem que Borges, já quase cego, ditou para Elsa Astete, ao final da sua inesquecível visita ao amigo adolescente acamado em Adrogué, 34 anos antes:
“Quiero repetir mi agradecimiento, mi asombro, mi perdurable amistad. Todo esto va para mi joven protector Gregorio Montes y también para sus muchos amigos, los árboles, las verjas y las quintas. En estas calles que se alejan y juntan soñé mis cuentos; en esas calles volvió a soñarlos y a fijarlos con memoria admirable y com generosa penetración quién hoy merece estos numerosos aplausos. Goyo, adelante, imitable ejemplo para la juventud argentina, no por ser mi lector, pero si por sentirse amigo de los libros, mudos y letrados compañeros. Un abrazo, Jorge Luis Borges, 16-5-1969. ”
(Quero reafirmar a minha gratidão, meu espanto, minha duradoura amizade. Tudo isso para meu jovem protetor Gregorio Montes e também para seus muitos amigos, as árvores, os portões e as chácaras. Nestas ruas que se afastam e se unem, sonhei meus contos; nessas ruas voltou a sonhá-los e a gravá-los com memória admirável e generosa perspicácia quem hoje merece estes numerosos aplausos. Goyo, vá em frente, exemplo imitável para a juventude argentina, não por ser meu leitor, mas sim por sentir-se amigo dos livros, mudos e letrados companheiros. Um abraço, Jorge Luis Borges, 16-5-1969.)
Médico patologista, é coordenador do Núcleo de Saúde Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e professor na Faculdade de Medicina da USP
Professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP
Professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP
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