O bandeirinha, o goleiro, o tira-teima e a hipocrisia
O melhor jogo da Copa do Mundo de 94 foi Brasil e Holanda, pelas quartas de final. Três a dois para o Brasil. Quando Bebeto fez o segundo gol, num lance em que Romário estava em posição de impedimento mas não foi na bola, Galvão Bueno provocou Pelé na transmissão da Globo: “E aí, Pelé, foi ou não foi impedimento?”. Resposta do Rei: “E eu quero lá saber se foi impedimento? O que eu sei é que foi gol do Brasil!”.
O melhor jogo da Copa do Mundo de 94 foi Brasil e Holanda, pelas quartas de final. Três a dois para o Brasil. Quando Bebeto fez o segundo gol, num lance em que Romário estava em posição de impedimento mas não foi na bola, Galvão Bueno provocou Pelé na transmissão da Globo: “E aí, Pelé, foi ou não foi impedimento?”. Resposta do Rei: “E eu quero lá saber se foi impedimento? O que eu sei é que foi gol do Brasil!”.
O bandeirinha Luiz Antonio de Oliveira e o juiz Marcelo de Lima Henrique erraram feio no Maracanã ao validar o gol de Márcio Araújo? Óbvio, ninguém discute. Mas tenho um raciocínio que, confesso, me deixaria bem mais confortável se eu não fosse flamenguista. É muito fácil parar a imagem naquela linha do tira-teima e gritar: como é que pode, é o fim do mundo, absurdo dos absurdos. Ocorre que, como diria Nelson Rodrigues, aquela linha é mentirosa. Houve muito mais coisas na jogada além daquele momento preciso e, só para efeito de comparação, acho muito mais grave a não marcação do gol de Douglas, no Vasco e Flamengo da primeira fase do campeonato. Claro: aquele jogo não valia nada e o de domingo valeu título, mas o erro foi muito maior, porque a jogada foi muito mais fácil.
Moro em São Caetano do Sul. Vi o jogo pela tevê. Mesmo revendo o lance quatro ou cinco vezes, só tive certeza de que o gol fora de Márcio Araújo na imagem captada pela câmera atrás do gol. E se o gol tivesse sido de Nixon, que vinha em posição legal e chegou junto na bola? O lateral do Vasco Diego Renan estava colado na trave no momento do escanteio. Assim que a bola saiu dos pés de Léo Moura, Diego Renan correu para o meio da área, justamente para que a lei do impedimento jogasse a seu favor. (Ironia do destino: se tivesse permanecido ali, Diego Renan garantiria o título ao Vasco.) É muito rápido esse movimento que combina a saída do Diego Renan com a entrada de Márcio Araújo e Nixon. Também é possível que, na posição em que estava e com a velocidade do lance, Luiz Antonio Oliveira não tenha visto ao certo qual dos dois rubro-negros tocara na bola. Repito: depois de ver o gol quatro ou cinco vezes, eu continuava na dúvida. Também é curioso o argumento de que “ele ganha pra isso”. Ora bolas: eu ganho para fazer o que faço na agência de propaganda em que trabalho, e sou obrigado a admitir que cometo pelo menos um erro por dia.
Há casos e mais casos de campeonatos e até copas do mundo – as de 66 e 90, por exemplo – decididos por erros dos juízes. O que fazer? Tecnologia? Nem sempre. Chip na bola, com o alerta automático nos ouvidos do juiz avisando que a bola entrou, é uma coisa. Tira-teima para analisar se foi ou não impedimento, por meio de uma conferência da equipe de arbitragem, seria outra e insuportável. Aliás: nas quartas de final da Libertadores de 2011, a primeira partida entre Vasco e Corinthians foi disputada em São Januário, acabou zero a zero e Alecsandro teve um gol anulado. O tira-teima da Globo provava que ele estava impedido, o tira-teima da Fox Sports mostrava que o gol fora legal.
Em 2002, a revista Placar – que tem no portfolio, entre outros grandes momentos, a reportagem sobre a Máfia da Loteria Esportiva, publicada em 1982 – saiu com a capa que ilustra esse post. Felipe falou bobagem, como vem fazendo em sua carreira quase na mesma proporção com que dá saltos espalhafatosos e espalma bolas pra frente do gol, mas daí a crucificá-lo acho um chilique desmedido. Reconheço que, de 2002 pra cá, o país tomou um banho de ética e moralidade, deixamos de ter políticos corruptos, jamais vimos helicópteros pertencentes a tradicionais famílias mineiras transportando cargas de cocaína, irmãos e assessores pararam de encher meias e cuecas com fartas somas de dinheiro, concorrências para o transporte público paulistano foram feitas dentro da mais absoluta lisura e a Petrobras nunca mais comprou refinarias a preços superfaturados. Graças a Deus, isso é passado. E, felizmente, a hipocrisia acabou.
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