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O futebol carioca torcendo contra ele mesmo

As rivalidades locais são imprescindíveis para o nascimento e a engorda da paixão pelo futebol, mas me surpreende e preocupa como, de algum tempo para cá, os torcedores cariocas têm buscado a felicidade menos nas glórias de seus clubes e mais nos infortúnios alheios. Nada contra o bom humor, a gozação, a tiração de onda, a carioquice. Mas acho que falta a nós, torcedores, olhar com mais rigor para o que cada um dos nossos clubes tem feito com a sua história, e elevar o padrão de exigência.

| 18 nov 2014_14h48
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No dia seguinte à derrota do Flamengo para o Atlético Mineiro, um querido amigo botafoguense postou o seguinte no Facebook:

Gostaria de deixar claro que só comemoro vitórias do meu time e, ultimamente, tenho tido muito pouco o que comemorar. Parabéns ao Galo e sua maravilhosa torcida. PS: sou botafoguense.”

O nome do meu amigo é Jeronymo e, além dele, só conheço mais uma pessoa assim: minha irmã Vera, tricolor a ponto de ter uma desbotada bandeira do Fluminense permanentemente esticada na janela de sua casa e que jamais torce contra os clubes cariocas. (Quando o resultado que interessa ao Flu é a derrota de algum conterrâneo, Vera assume uma certa neutralidade suíça e se abstém de torcer.)

Considero as rivalidades locais imprescindíveis para o nascimento e a engorda da paixão pelo futebol, mas me surpreende e preocupa como, de algum tempo para cá, os torcedores cariocas têm buscado a felicidade menos nas glórias de seus clubes e mais nos infortúnios alheios.

Os do Vasco, que deveriam estar acabrunhados com a campanha meia-boca na segundona, vão ao delírio com as derrotas rubro-negras. Sábado à tarde, estava lendo a biografia Getúlio, muitíssimo bem apurada e escrita por Lira Neto, quando olhei a hora e vi que já começara a partida entre Vasco e Ceará. Terminei o capítulo e liguei a tevê. O comentarista Carlos Eduardo Lino, do PFC, reclamava que o time vascaíno estava todo na defesa, sem sair para o jogo. Isso: o Vasco, quatro vezes campeão brasileiro, ganhador da Libertadores e clube pelo qual passaram, entre outros campeões do mundo, Bellini, Orlando, Vavá, Brito, Tostão, Jorginho, Dunga, Mazinho, Bebeto e Romário, jogava na retranca contra o Ceará, pela série B do Campeonato Brasileiro. E daí? Basta o Flamengo perder mais uma e está tudo certo.

Já os do Flamengo – que costumam ficar bravos sempre que alguém ousa lançar esse argumento – continuam caindo na asneira de acreditar que a força da torcida é capaz de transformar João Paulo, Cáceres, Negueba e Muralha em jogadores de futebol, e comemoram em êxtase as patinadas do Fluminense na luta pelo discutível consolo da vaga na Libertadores. Os do Fluminense esquecem as eliminações contra o América de Natal na Copa do Brasil e o Goiás na Sul-Americana, fingem ignorar que o elenco milionário sequer chegou à final do combalido campeonato estadual e desprezam o fato de estar a 13 pontos do líder do Brasileirão, mas se deliciam com a possível e provável queda do Botafogo à série B. Os do Botafogo tentam superar a temporada desastrosa torcendo com energia para que o Vasco lhes faça companhia no ano que vem. E assim segue girando a roda da incompetência no futebol carioca, onde é melhor o outro perder do que a gente ganhar.

Repito: nada contra o bom humor, a gozação, a tiração de onda, a carioquice. Acabar com isso é acabar com o futebol. Mas acho que falta a nós, torcedores, olhar com mais rigor para o que cada um dos nossos clubes tem feito com a sua história, e elevar o padrão de exigência.

Não é possível que a torcida do Fluminense ache normal pagar os mais altos salários do futebol brasileiro e fechar 2014 sem disputar um titulozinho. É inadmissível que o presidente do Botafogo tenha praticamente decretado a queda do clube que preside para a segunda divisão, ao afastar seus jogadores mais importantes em um momento crucial do campeonato. Não dá para acreditar, por pior que seja o momento, que o Vasco esteja trazendo de volta o comandante que deu início ao naufrágio. É inconcebível que, nas últimas cinco edições do Campeonato Brasileiro, incluindo a atual, o Flamengo tenha terminado entre os seis primeiros uma única vez, e que a torcida seja obrigada a celebrar, ano após ano, o fato de escapar do rebaixamento.

Todo mundo está farto de saber que o futebol carioca precisa de mais gestão, equilíbrio e credibilidade, mais pets, juninhos, assis e cajus. Mas também precisamos de mais veras e jeronymos. Porque só assim, mirando as mazelas dos nossos próprios clubes em vez de festejar as dores dos derrotados, é que vamos fazer as coisas começarem a mudar. 

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