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O mimimi de Mano Menezes

Quando foi convidado a dirigir a seleção brasileira, após a recusa forçada de Muricy, Mano Menezes também deu uma boa entrevista ao programa Roda Viva, então ancorado por Marília Gabriela, que entende tanto de bola quanto a nelson-rodrigueana grã-fina de narinas de cadáver. Naquela roda, Mano demonstrou ser um técnico estudioso e articulado, com respeito pelo passado – elogiou o até hoje moderno jeito de jogar da seleção de setenta –, e interesse em evoluir.

| 24 set 2013_15h52
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Logo que assumiu o comando técnico do Vasco, em março desse ano, Paulo Autuori deu uma polêmica entrevista ao jornal . Autuori afirmou que os treinadores brasileiros são ultrapassados e inseguros – e acertou. São sim, e sem exceção. Mas Autuori também subiu no salto alto ao dizer que ouviu, de alguns jogadores brasileiros com quem trabalhara no exterior, que aqui no Brasil eles jogavam bola e lá fora viraram jogadores de futebol. O problema é que, além dos clubes brasileiros, Autuori trabalhou em Portugal, no Peru, no Japão e no Qatar. Se teve gente que só virou jogador de futebol em Portugal, no Peru, no Japão ou no Qatar, a coisa está bem pior do que pensávamos. Ou então, o que é mais provável, Autuori quis causar e exagerou.

De qualquer modo, a entrevista de Paulo Autuori foi bastante boa. Pena que um pouco depois – tanto no esculhambado Vasco quanto no organizado São Paulo – ele tenha sido constantemente batido por times dos técnicos que acusara de ultrapassados. Acontece.

Quando foi convidado a dirigir a seleção brasileira, após a recusa forçada de Muricy, Mano Menezes também deu uma boa entrevista ao programa Roda Viva, então ancorado por Marília Gabriela, que entende tanto de bola quanto a nelson-rodrigueana grã-fina de narinas de cadáver. Naquela roda, Mano demonstrou ser um técnico estudioso e articulado, com respeito pelo passado – elogiou o até hoje moderno jeito de jogar da seleção de setenta –, e interesse em evoluir. Mas, do mesmo modo que aconteceu nessa passagem de Paulo Autuori pelo futebol brasileiro, Mano não conseguiu transformar seu belo blablablá numa seleção que a gente gostasse de ver em campo. Já ouvi e li, de muita gente boa, a opinião de que Mano foi demitido justamente quando a seleção brasileira começava a melhorar. Considero isso excesso de generosidade, pois nunca percebi melhora alguma na seleção do Mano. E sua deserção do Flamengo só diminui um currículo pra lá de duvidoso: conquistas na série B – que, como a gente pode observar pela fulgurante campanha do Palmeiras, é uma teta –, alguns dos já desprezados estaduais e uma Copa do Brasil, título nacional que o coloca no mesmo patamar de Valmir Louruz, Péricles Chamusca e Nelsinho Baptista.

As entrevistas de Autuori e Mano são ótimos exemplos de que nossos técnicos são sempre bons de papo. E para justificar seus poderes absolutos e seus salários de causar inveja a presidentes de multinacionais, estes espertalhões não se cansam de criar factóides. No final de 2010, vi uma coletiva de Vanderlei Luxemburgo em que o mestre dos mestres dizia ter livrado o Flamengo do rebaixamento e conquistado uma vaga para a Copa Sul-Americana. O primeiro argumento é uma inverdade: naquele ano o Flamengo tinha um time bem parecido com o de agora, ou seja, madurinho para cair, mas mesmo quando esteve sob os desastrados comandos de Rogério Lourenço e Silas, em nenhuma rodada o clube ficou entre os quatro últimos. Quanto à vaga na Sul-Americana, é o cúmulo da cara de pau.

O torcedor de futebol no Brasil ficou conhecido por abominar o segundo lugar. Aqui, vice é nada – o que custou a pesada cruz que o Vasco tem carregado. Entretanto, um caprichado trabalho de RP dos nossos técnicos conseguiu convencer a imprensa e os torcedores que chegar em quarto – e assim garantir uma vaga na Libertadores – é tão bacana quanto ser o primeiro. Jornalistas esportivos e torcedores falam o tempo todo nesse tal de G4. E treinadores só faltam exigir faixa no peito por causa do terceiro lugar. Além disso, firmou-se o consenso de que, se o time é meia-boca, o negócio é pagar 400, 500, 600 mil reais por mês a um técnico para que ele o salve do rebaixamento.

Compreendo o trágico sentido que sempre acompanha a palavra “demissão”, mas nunca entendi o motivo de tanto mimimi quando são demitidos profissionais que recebem os valores acima. (Questão de ordem – e de consciência: esse post trata, obviamente, dos grandes clubes do futebol brasileiro. Sei que 90% dos treinadores ganham uma miséria, que é preciso pensar no cara que é técnico do Bambala de Itabirito, etc. Mas não é disso que estou falando, e sim de Mano Menezes, Muricy, Felipão, Abel Braga, Luxemburgo.)

Sempre que alguém desse time é demitido – ou mesmo de um escalão inferior, com modesto salário na faixa dos 200, 250 mil reais – logo vira um pobre-coitado, vítima indefesa da falta de planejamento e do amadorismo dos nossos clubes. Quem dera. Fossem os nossos clubes profissionais e responsáveis, não haveria treinadores tão estratosfericamente remunerados. Nunca é demais lembrar: em 2009, Andrade foi o técnico campeão brasileiro com um salário de 15 mil reais.

Com Mano ou sem Mano, com Jaime de Almeida, Paulo Autuori, Celso Roth ou Guardiola, o Flamengo vai continuar jogando essa bolinha medonha, porque não há como montar um time minimamente competitivo com o elenco disponível. Mas só eu e a torcida do Flamengo sabemos disso? Mano não sabia? Pois aí entra outro elemento irremediavelmente colado à personalidade dos nossos técnicos: a petulância. Ao aceitar o convite do Flamengo, Mano certamente acreditou que sua arrasadora competência seria suficiente para transformar Wallace, González, João Paulo, Cáceres, Hernane e outros em algo semelhante a um time de futebol. Chega a ser divertido lembrar de Mano Menezes, abordado por um repórter no final da improvável vitória sobre o Cruzeiro pela Copa do Brasil, gritando feito um torcedor alucinado: “O Flamengo é copeiro! O Flamengo é copeiro!”. Pois às vésperas das quartas de final dessa copa que tanto o empolgara, e sem que absolutamente nada tenha acontecido de diferente, nem para melhor e nem para pior, o cara simplesmente joga a toalha, parecendo aquele menino ruim de bola mas dono dela, que se aborrece por não ter sido escolhido no par ou ímpar e encerra a brincadeira fazendo valer sua condição de proprietário da redonda.  

Seria ótimo que a intempestiva atitude de Mano servisse de lição a todos, mas não servirá. Agora mesmo, aqui em São Paulo, está em curso o processo de beatificação de outro dos nossos treinadores-top – Muricy Ramalho. Ao contrário do que insinua com deliciosa ironia o arquiteto e professor da UFMG Roberto Andrés, no magnífico texto “Quixote venceu”, publicado na última edição da piauí e que trata da conquista da Libertadores pelo Atlético Mineiro, jamais acreditei e não acredito na possibilidade de queda do São Paulo. Porém, Muricy já está quase santificado. Não adianta: nós não aprendemos.

Ao se transformar num patético Jânio Quadros da área técnica, Mano Menezes fez um papelão. Paulo Autuori também fez um papelão, ao babar regra na entrevista e não mostrar nada diferente ou moderno nos times que pôs em campo. Abel fez um papelão quando disse que, jogando em casa no mata-mata da Libertadores, era melhor empatar em zero a zero do que ganhar por dois a um – e foi eliminado com um empate em casa em zero a zero e uma derrota fora por dois a um. Vanderlei tem feito papelões em sequência – no Santos, no Atlético Mineiro, no Flamengo, no Grêmio.

Talvez seja por isso que, apesar da pose, da sapiência e da arrogância dos maiores treinadores brasileiros, quando precisou de um técnico para seu supertime o Barcelona tenha optado – humilhação suprema – por um argentino. Não há de ter sido só por causa do idioma.

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