O país da neutralidade e do ferrolho
Mesmo sem nunca ter tido qualquer importância no cenário futebolístico, na década de quarenta a Suíça descobriu que poderia vencer jogando de um jeito irritantemente defensivo. Os suíços inventaram uma praga chamada ferrolho, quebraram um paradigma e tornaram possível a existência de José Mourinho.
O ferrolho suíço ganhou vários sinônimos e se popularizou, sobretudo junto àqueles que não levam jeito pra coisa. Futebol é um dos poucos esportes em que é muito mais fácil destruir do que criar – o que explica, em parte, seus placares reduzidos –, e a Suíça enxergou nisso a chance de não fazer feio diante dos mais talentosos. Nada de ilegal ou antiesportivo, mas o futebol suíço é chato toda vida.
Alguns dos momentos mais bacanas do futebol são aqueles que representam quebras de paradigmas.
Imaginem o espanto que não foi quando Leônidas da Silva, vendo a bola cruzada passar por trás de seu corpo, girou e executou, pela primeira vez num jogo oficial, o que se convencionou chamar de bicicleta? Ok: há quem defenda que esses lances são sempre criados em peladas da mais pura várzea, mas a profissionalização da bicicleta pertence ao acervo de Leônidas da Silva.
É comum, hoje, qualquer zé-mané tentar encobrir o goleiro com um chute do meio-campo. Mas quem fizera isso antes de Pelé, na Copa de 70? Quem ousara driblar o goleiro sem tocar na bola, o que além de se transformar numa das jogadas mais geniais da história do futebol, rendeu as fantásticas seis páginas iniciais de , romance de Sérgio Rodrigues?
A seleção brasileira de 70 foi a melhor que eu vi jogar, mas não quebrou um paradigma. Já a seleção holandesa de 74, sim: um time atuar daquela maneira alucinada e sufocante era uma verdadeira revolução.
Mesmo sem nunca ter tido qualquer importância no cenário futebolístico, na década de quarenta a Suíça descobriu que poderia vencer jogando de um jeito irritantemente defensivo. Os suíços inventaram uma praga chamada ferrolho, quebraram um paradigma e tornaram possível a existência de José Mourinho.
O ferrolho suíço ganhou vários sinônimos e se popularizou, sobretudo junto àqueles que não levam jeito pra coisa. Futebol é um dos poucos esportes em que é muito mais fácil destruir do que criar – o que explica, em parte, seus placares reduzidos –, e a Suíça enxergou nisso a chance de não fazer feio diante dos mais talentosos. Nada de ilegal ou antiesportivo, mas o futebol suíço é chato toda vida.
A gente pega o futebol romeno, que também nunca foi grandes coisas, e ele nos deu Hagi. Pega o futebol sueco, e lá vem o Ibrahimovic. Até o futebol búlgaro tem o Stoichkov para exibir como troféu. O legado deixado pelo futebol suíço é o ferrolho.
Na Copa de 2006 eles fizeram uma campanha rigorosamente suíça, passando da primeira fase e sendo eliminados nas oitavas de final sem levar um gol sequer. Aliás, a aversão dos suíços ao gol é tamanha que, na disputa de pênaltis contra a Ucrânia, eles perderam todos. Na fase de grupos da Copa de 2010, a Suíça conseguiu a proeza de derrotar a grande Espanha – por um a zero, claro – e empatar em zero a zero com a pequena Honduras, no jogo que a eliminou.
A Suíça passou fácil pelas últimas eliminatórias, com sete vitórias, três empates e nenhuma derrota, mas não dá para entender como é que uma seleção garante vaga na Copa do Mundo enfrentando Islândia, Eslovênia, Noruega, Albânia e Chipre. Com adversários desse quilate, o time da piauí teria boas chances.
Agora a Suíça vai brigar com o Equador pela segunda vaga do grupo, mas o grande objetivo, a fim de evitar a Argentina nas oitavas, é surpreender a França e terminar em primeiro lugar – exatamente o que aconteceu em 2006. Ou seja: se fácil não é, também não é de todo impossível. Com disciplina (que tem de sobra), chatice (idem) e sorte, pode chegar às quartas de final. O que pra eles estaria de ótimo tamanho.
Apesar da fama de povo low profile e nação neutra, creio que os suíços lideram uma vigorosa campanha para provar ao mundo que futebol é a coisa mais aborrecida que existe. Quem vê a seleção suíça jogar sai convencido.
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