Quero levar meu neto ao estádio
Faz muito tempo que nossas torcidas organizadas deixaram de ser aquela coisa romântica do tempo da Dulce Rosalina, e passaram a viver uma interessada e promíscua relação com as diretorias dos grandes clubes. Por mantê-las e incentivá-las, essas diretorias – e os clubes que elas representam – precisam ser responsabilizadas na hora em que acontece o que aconteceu em Brasília nesse domingo e no outro, envolvendo as torcidas de Vasco, Corinthians, Flamengo e São Paulo.
Cansei de ir a clássicos no Maracanã com público superior a 120 mil pessoas. Havia as torcidas organizadas, com Jaime de Carvalho chefiando a do Flamengo, Dulce Rosalina puxando o casaca, casaca do Vasco, Tarzan comandando a do Botafogo e Roberto (acho que era esse o nome) a do Fluminense. Os torcedores dos dois times entravam e saíam pelos mesmos portões, fazendo provocações quando chegavam e gozações quando iam embora, mas tudo mais ou menos numa boa. Vi brigas, claro, mas era algo tão estranho que causava vergonha alheia: brigar por causa de futebol? Façam-me o favor. Mas, seja com 120 mil, seja com 60 mil pessoas no estádio, não dá para exigir de um clube que exerça controle absoluto sobre o que fazem seus torcedores. Se a polícia não consegue, como o clube vai conseguir?
E se nem o clube e nem a polícia são capazes de controlar 40, 50 ou 60 mil torcedores, só há uma força capaz de assumir essa responsabilidade: os próprios torcedores. E aí vem o óbvio: precisamos de punições exemplares às torcidas organizadas brigonas e extensivas aos clubes, pela vergonhosa relação existente entre elas e eles.
Tomemos o exemplo recente dos torcedores corintianos na Bolívia. Cada um vive como quer e gasta seu dinheiro do jeito que prefere, mas aquela história de torcedor brasileiro em Oruro não entra na minha cabeça. Ok: quando o Corinthians disputou a final do mundial interclubes no Japão, teve gente forçando a própria demissão para receber um troco a mais e poder acompanhar o momento histórico. Tratava-se da final do mundial interclubes. Mas ir daqui para a Bolívia – de ônibus – para assistir ao primeiro jogo da fase de grupos da Libertadores é outra história. Quem bancava esses caras?
Faz muito tempo que nossas torcidas organizadas deixaram de ser aquela coisa romântica do tempo da Dulce Rosalina, e passaram a viver uma interessada e promíscua relação com as diretorias dos grandes clubes. Por mantê-las e incentivá-las, essas diretorias – e os clubes que elas representam – precisam ser responsabilizadas na hora em que acontece o que aconteceu em Brasília nesse domingo e no outro, envolvendo as torcidas de Vasco, Corinthians, Flamengo e São Paulo.
Antigamente, tínhamos um bordão: isso só vai acabar no dia em que alguém morrer. Pois já morreram torcedores de todos os grandes clubes brasileiros – e nada acabou. Para quem viveu as coisas que descrevo no primeiro parágrafo, é inacreditável que em Belo Horizonte, até a reabertura do Mineirão em fevereiro deste ano, os jogos entre Cruzeiro e Atlético tinham se transformado em clássicos de uma torcida só, com os torcedores do não-mandante proibidos de ir ao estádio.
Pra terminar: tenho um neto de dois anos e três meses que passa boa parte do dia chutando uma bola e gritando gol. Até hoje lembro nitidamente de várias das minhas idas ao Maracanã levado por meu pai e gostaria muito de poder reviver essa experiência, agora desempenhando o outro papel, com o Martin. Quero que ele possa sentir a mesma alegria que eu sentia naqueles dias e que ele venha a ter a mesma memória afetiva que tenho hoje.
Será que os torcedores valentões e os hipócritas dirigentes de nossos clubes vão permitir?
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