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    Montagem aponta semelhanças em imagens de difração de raios-X publicadas em diferentes artigos de químicos brasileiros (montagem: Sylvain Bernès).

Questões da Ciência

Reincidência

Quatro anos depois de revelado o maior caso de fraude já documentado envolvendo cientistas brasileiros, vêm à tona novas acusações de má conduta dirigidas a químicos do país, inclusive um professor que participara do episódio anterior. Pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá e da Universidade Estadual de Campinas são acusados de reaproveitar as mesmas imagens em várias publicações. Dois artigos de autoria do grupo já foram cancelados, e outros dois sofreram correções.

Bernardo Esteves | 26 jan 2015_11h15
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Quatro anos depois de revelado o maior caso de fraude já documentado envolvendo cientistas brasileiros, vêm à tona novas acusações de má conduta dirigidas a químicos do país, inclusive um professor que participara do episódio anterior. Pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) são acusados de reaproveitar as mesmas imagens em várias publicações, fazendo-as passar por resultados de experimentos feitos com substâncias químicas diferentes. Dois artigos de autoria do grupo já foram anulados pelas revistas em que haviam sido publicados, e outros dois sofreram correções.

A maior parte dos trabalhos sob suspeita tem dois autores em comum: Angélica Machi Lazarin, professora do Departamento de Química da UEM com doutorado e pós-doutorado pela Unicamp; e Claudio Airoldi, químico de 72 anos que fez carreira na Unicamp (foi o primeiro doutor em química formado pela universidade), da qual é hoje professor convidado. Ambos foram procurados pelo blog. Airoldi não retornou o pedido de entrevista; Lazarin escreveu num e-mail que não pode falar neste momento.

Em 2011, onze trabalhos publicados por Airoldi em parceria com seu ex-aluno Denis Lima Guerra e outros autores foram tirados de circulação pelos periódicos em que tinham sido publicados – o caso foi relatado na reportagem “Os alquimistas”, publicada na piauí 60. As despublicações – retractions, em inglês – são o recurso das revistas científicas para corrigir a literatura quando são constatados casos de fraude ou erros de boa fé. Investigações conduzidas pelas instituições de Airoldi e Guerra (que era professor da Universidade Federal do Mato Grosso) concluíram que os trabalhos sob suspeita tinham dados fabricados. Airoldi foi punido com 45 dias de suspensão, e Guerra foi exonerado no início de 2014.

Em novembro do ano passado, os editores da revista Química Nova, publicação da Sociedade Brasileira de Química, receberam um e-mail que lançava suspeitas sobre um artigo publicado ali em julho de 2013 – uma investigação sobre as propriedades de um composto com possíveis aplicações biomédicas. O trabalho era assinado por oito pesquisadores da UEM – inclusive Angélica Lazarin, que aparecia listada como autora correspondente, responsável por falar em nome do grupo – e por Claudio Airoldi, que figurava como último autor, posição comumente reservada para o pesquisador sênior da equipe.

A denúncia enviada aos editores da Química Nova apontava grande semelhança entre imagens usadas no artigo e algumas publicadas em outros trabalhos do grupo. As figuras em questão representavam os resultados de experimentos conduzidos usando difração de raios-X e outros métodos experimentais. Mas não se trataria de um simples reaproveitamento das imagens em questão: nos outros trabalhos, elas apareciam representando experimentos feitos com substâncias químicas distintas.

Os editores da revista montaram um comitê de especialistas para analisar a denúncia. Foram chamados dois editores associados do periódico e um dos revisores que haviam participado do processo de avaliação do artigo. Não demorou até que chegassem a uma conclusão, conforme relatou numa entrevista telefônica a química Susana de Torresi, pesquisadora da USP e uma das editoras da Química Nova. “Os especialistas constataram que, efetivamente, a denúncia procedia”, disse ela.

Não é preciso um olhar treinado para notar semelhanças entre as figuras sob suspeita. Um gráfico representando resultados de difração de raios-X no artigo da Química Nova, por exemplo, tem a mesma aparência de uma figura que aparece num trabalho de 2004 publicado na revista Analytica Chimica Acta e assinado por Angélica Lazarin e Claudio Airoldi. No trabalho de 2004, porém, a figura deveria representar os resultados de um experimento feito com um composto diferente. Não foi o único caso: a investigação apontou o possível reaproveitamento de imagens em pelo menos oito publicações envolvendo autores do grupo.

Os editores da Química Nova entraram em contato com os autores do artigo para esclarecer a situação. Segundo o relato de Susana de Torresi, num primeiro momento eles alegaram se tratar de imagens similares, e depois reconheceram que eram as mesmas figuras. “Eles expuseram suas razões, mas consideramos que a defesa não procedia e decidimos retratar o artigo”, afirmou Torresi. O trabalho foi considerado inválido no fim de novembro, menos de um mês após o recebimento da denúncia.

De acordo com a editora, esta foi a primeira vez em quase 34 anos de história que a revista Química Nova despublica um artigo. Não teria sido evidente identificar a possível fraude durante a revisão por pares que precedeu a publicação do trabalho, um processo em que se assume a boa fé dos autores. “Esse tipo de coisa é muito difícil de captar no momento da avaliação, a não ser que você conheça muito por dentro todas as publicações do grupo”, afirmou Torresi.

Os editores tomaram a iniciativa de comunicar o ocorrido às revistas nas quais foram publicados os artigos com as imagens sob suspeita, às agências de fomento responsáveis pelo financiamento do trabalho e às universidades dos autores. “Já estão correndo processos administrativos tanto na UEM quanto na Unicamp”, disse Torresi.

O trabalho publicado na Química Nova não foi o único envolvendo os autores a ter sido tirado de circulação. Em janeiro deste ano, foi despublicado um artigo que havia saído em 2013 no periódico Open Journal of Synthesis Theory and Applications, tendo como autores os oito pesquisadores de Maringá que também assinam o trabalho da Química Nova (Airoldi não figura entre os autores). “O comitê editorial constatou que porções substanciais do texto vieram de outros artigos publicados”, informa a nota de retratação do artigo.

Recentemente, dois trabalhos assinados por Angélica Lazarin e Claudio Airoldi foram corrigidos para substituir figuras que haviam sido indevidamente incluídas. Um deles tinha sido publicado em 2005 no periódico The Journal of Chemical Thermodynamics, e o outro, de 2008, fora veiculado na Solid State Sciences.

As suspeitas de fraude envolvendo os químicos brasileiros vêm sendo comentadas no PubPeer, um site colaborativo para o escrutínio da literatura científica (a plataforma já foi assunto de um post do blog). Outras possíveis ocorrências de imagens repetidas em artigos do grupo vêm sendo apontadas num tópico dedicado a um artigo de 2004 assinado por Airoldi, Lazarin e outros seis pesquisadores vinculados à UEM.

Um dos participantes desse fórum é o químico Sylvain Bernès, pesquisador da Universidade Autônoma de Nuevo León, no México – o único a assinar suas intervenções naquela discussão. Bernès listou ali cerca de vinte artigos dos químicos brasileiros nos quais enxergou a suspeita de reaproveitamento de figuras, além de postar montagens que comparam as figuras sob suspeita, incluindo a que ilustra este post.

Procurado pelo blog, Bernès disse num e-mail que acompanha regularmente discussões sobre química no PubPeer e tem familiaridade com o objeto de estudo do grupo brasileiro. Ao tomar conhecimento das suspeitas levantadas contra a equipe, ele resolveu pesquisar outros trabalhos dos autores num portal de artigos científicos. Segundo ele, bastou uma busca rápida para identificar diversas ocorrências de possível duplicação de imagens.

Bernès acredita que, nos próximos meses, mais artigos do grupo devem ser corrigidos ou despublicados. “O fato que as duplicações [de imagens] se estendam por um período de mais de dez anos e o fato que elas sejam numerosas mesmo numa busca aleatória me fazem crer que estamos vendo apenas a ponta do iceberg”, afirmou.

Leia também:
Os alquimistas
Punição tardia
Fiscalização continuada
Homenagem de mau gosto
Má conduta em foco
Vida após a fraude

Atualização (26/01/15): O post foi atualizado para a correção do nome do periódico Analytica Chimica Acta.

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