Sede do BNDES, no centro do Rio de Janeiro. FOTO: MARINELSON ALMEIDA
Sem o BNDES, nada feito
Os mistérios em torno da delação do ex-todo poderoso da Andrade Gutierrez
Passou batida em meio à avalanche do noticiário do impeachment uma revelação de Otávio Azevedo (ex-todo poderoso da construtora Andrade Gutierrez) em sua delação premiada à Lava Jato. Azevedo contou que o PT exigiu propina por uma obra realizada na Venezuela em 2008 com financiamento do BNDES. Num depoimento à Justiça Federal do Rio, gravado em vídeo e exibido em rede nacional num sábado à noite, Azevedo disse: “A Andrade conversou com o presidente Lula, que pediu diretamente ao presidente Chávez para, na hora que ele fosse decidir, que ele olhasse também para o Brasil, parceiro, não sei o quê. E foi o que aconteceu. Mas não houve um pedido nem do presidente Lula nem posterior de nada a não ser um tempo depois.” O interrogatório prosseguiu:
Juiz: O senhor Luiz Inácio atendeu a empresa…
Otávio Azevedo: Atendeu.
Juiz: A empresa ganhou o contrato.
Otávio Azevedo: Ganhou.
Juiz: Ninguém pediu nada.
Otávio Azevedo: Não. Não teve vínculo nenhum.
Juiz: Perfeito.
Otávio Azevedo: Mas um ano depois, algum tempo depois, apareceu o Vaccari fazendo então a pedida: “Olha, vocês têm o acordo daquele 1%, então vocês devem pagar 1% sobre a parte brasileira.”
Juiz: Também dessa obra? Essa obra lá da Venezuela também deveria pagar?
Otávio Azevedo: Isso. Não sobre o total da obra, mas 1% sobre a parte financiada pelo governo brasileiro.
Juiz: Mas não ficou, não fez nenhuma referência a nenhuma cobrança…
Otávio Azevedo: Não, não, não.
Juiz: Que o senhor Luiz Inácio Lula não tem nada a ver…
Otávio Azevedo: Não, não tem.
A conversa toda parece um tanto esdrúxula. Vejamos: Lula fez lobby junto a Hugo Chávez para que a Andrade obtivesse o contrato. Ela de fato ganhou a obra e, em seguida, conseguiu financiamento do BNDES para realizá-la. Meses depois, o tesoureiro do PT, João Vaccari, que não ocupava cargo nem no BNDES nem no Palácio do Planalto, e tampouco havia participado das conversas anteriores, apareceu do nada, cobrando a propina devida sobre a parte brasileira da obra na Venezuela. Mas, segundo Otávio Azevedo, Lula não teve nada a ver com a história.
Pode ser que o juiz Marcelo Bretas, que tomou o depoimento no Rio – essa parte do processo foi desmembrada e saiu da competência de Sérgio Moro –, tenha acreditado. Mas não os investigadores de Curitiba. Para eles, ainda há muito a ser dito sobre o modo como os financiamentos obtidos pelas empreiteiras no BNDES alimentavam o propinoduto do petrolão. Só de empréstimos para obras de firmas brasileiras no exterior saíram do caixa do banco de fomento 11,9 bilhões de dólares. A maior parte do dinheiro foi para a Odebrecht (8,2 bilhões). Depois, para a Andrade Gutierrez (2,6 bilhões), a Queiroz Galvão, (388 milhões), a OAS (354 milhões) e a Camargo Correia (258).
Com a delação da Andrade Gutierrez, a Lava Jato cumpriu uma etapa fundamental para provar que o petrolão se enganchava em muitos outros ramos da administração pública. Numa tacada só, desvendaram-se as entranhas do esquema no setor elétrico (com Belo Monte e a usina nuclear de Angra dos Reis); das obras olímpicas no Rio de Janeiro e dos estádios da Copa e nas obras da Ferrovia Norte-Sul.
Entre os manás inexplorados, porém, o mais valioso é o do BNDES. É também o que falta para a República de Curitiba dar seu trabalho por encerrado. Além dos financiamentos próprios, o BNDES ainda manejava os recursos de diversos fundos importantes, como o da Marinha Mercante, destinado aos estaleiros bilionários da era Lula. A Lava Jato quer o banco, e é essa uma das razões para a relutância da Odebrecht em entregar o que sabe. Parte importante de sua receita está nas obras no exterior, financiadas pelo BNDES.
Enquanto a Odebrecht reluta, as investigações prosseguem. Em sua delação, um dos donos da Engevix, José Antunes Sobrinho, disse que quem lhe pediu para receber Edinho Silva – tesoureiro da campanha de Dilma em 2014 – foi Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Segundo a Época do final de semana, Coutinho escreveu o nome do tesoureiro num papel e o entregou a Antunes. O presidente do banco diz que nunca tratou de doações de campanha com o dono da Engevix. No total, a empreiteira e suas coligadas captaram pelo menos 1,8 bilhão de reais. A Engevix ainda deve 400 milhões à instituição dirigida por Coutinho. A mulher do publicitário João Santana segue negociando sua colaboração, e pode avançar por essa seara, assim como o empreiteiro Leo Pinheiro, da OAS. Mas nada impede que os procuradores voltem a inquirir Otávio Azevedo, para que se lembre de mais detalhes da relação do BNDES com as empreiteiras.
O que está claríssimo é que, se depender da Lava Jato, não sobrarão mistérios a respeito dos esquemas que cercaram o banco de fomento. Em entrevista à mesma Época que publicou a delação de Antunes, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos porta-vozes da força-tarefa de Curitiba, foi direto: “Só há lugar para mais uma empreiteira” nos acordos com o MP. O que ele não disse, mas até as hortências dos parques de Curitiba já entenderam, é que, se quiser ser essa empreiteira, a Odebrecht tem de entregar o BNDES.
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