SUS vive dilema com avanço tecnológico da medicina
Sistema público de saúde enfrenta o desafio de universalizar terapias de elevada complexidade e altos custos
Sediado num prédio no Centro do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) é um dos centros de referência do SUS. Como instituição federal vinculada ao Ministério da Saúde, tem a função de formular a política nacional de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer, além de avaliar novas terapias que serão adotadas pelo SUS.
O Inca foi pioneiro na adoção da cirurgia robótica para tratamento de câncer e continua integrando à sua rotina novas técnicas cirúrgicas que garantem mais qualidade de vida aos pacientes depois da intervenção para a retirada do tumor. Uma das formas que o instituto tem de avaliar novas terapias é participando dos ensaios clínicos para testar sua segurança e eficácia – os resultados desses testes é que vão definir se eles serão aprovados pelas agências regulatórias para uso oncológico, pré-requisito para que sejam incorporados ao SUS.
No âmbito de um desses ensaios clínicos, o instituto está se preparando para testar um dos mais novos e badalados tratamentos contra o câncer: a terapia com células CAR-T. Nela, células de defesa do paciente de câncer são tiradas de seu sangue e geneticamente modificadas fora do corpo. Depois de receberem um gene que as ensina a reconhecer as células tumorais que precisam atacar, as células de defesa são reintroduzidas no paciente (CAR-T é a sigla em inglês que designa essa modificação genética).
Essa terapia tem mostrado resultados promissores em outros testes, mas seu alto custo é um entrave para a adoção mais ampla. O tratamento pode chegar à casa de 1 milhão de dólares (ou quase 6 milhões de reais) por paciente. Na abordagem a ser testada no Inca, porém, a modificação genética das células será feita no próprio instituto, com tecnologia transferida pelo Hospital da Criança da Filadélfia, nos Estados Unidos, parceiro da instituição brasileira nesse projeto. O tratamento será testado em 32 crianças e jovens de até 20 anos que têm uma forma aguda de leucemia, incapaz de responder a outras formas de tratamento. Os pesquisadores estão aguardando o sinal verde da Anvisa para seguir com os testes, e a expectativa é de que tenha início no segundo semestre deste ano.
Um levantamento feito pelo Observatório de Oncologia calculou o custo direto do tratamento do câncer para os cofres públicos – uma conta que deixa de fora os gastos com ações preventivas. Em 2022, diz o estudo, o SUS gastou 3,9 bilhões de reais nessas ações, sendo mais de três quartos para tratamento ambulatorial e quase um quarto com cirurgias e internações. Mesmo que a terapia gênica com células CAR-T viesse a ser incorporada ao SUS com a redução de custos projetada pelos pesquisadores, o impacto orçamentário da sua adoção não seria desprezível.
Aí está o maior dilema para a incorporação de novas terapias ao SUS: a vocação do sistema de oferecer assistência universal aos cidadãos se depara com uma realidade de recursos limitados e incapazes de bancar os melhores tratamentos para todos, informa Bernardo Esteves, na última reportagem da série O Complexo, sobre o SUS, na piauí deste mês. “Não adianta fazer só no Inca, o desafio é estender para o resto da rede”, afirma o oncologista Roberto de Almeida Gil, diretor do instituto. Oferecer um tratamento que só atende a poucas pessoas fere a universalidade, a integralidade e a equidade, que são os princípios do sistema público de saúde.
O SUS vive um dilema bastante claro: deve gastar milhões de reais de um caixa sempre estrangulado para bancar o uso de tecnologias avançadas que beneficiam pacientes com doenças raras? Ou deve se empenhar em investir em iniciativas que beneficiam milhões de pacientes e nem precisam de tecnologias tão dispendiosas? Para aqueles cuja vida depende de um tratamento caríssimo a pergunta soa cruel, mas esse é um dilema que todos os sistemas públicos de saúde vêm enfrentando com a aceleração do avanço da tecnologia na medicina.
A série O complexo conta com o apoio da Umane, uma associação civil sem fins lucrativos que apoia iniciativas sobre saúde pública.
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