Foto: Arquivo pessoal/Vitor Mori
“Temos de cobrar dos governos vacina e informação”
Pesquisador da Universidade de Vermont faz sucesso ensinando como usar máscaras PFF2
Até sete meses atrás, o físico paulistano Vitor Mori tinha menos de cem seguidores no Twitter. O número saltou para os atuais 34 mil, graças aos tuítes que publica com dicas práticas de prevenção contra a Covid-19. A ideia surgiu quando o pesquisador da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, visitou o Brasil em setembro e outubro do ano passado. “Fiquei chocado vendo como os protocolos estavam desatualizados. Havia muito foco no uso de álcool em gel e quase nada sobre as máscaras PFF2 (padrão brasileiro equivalente ao das N95 americanas), obrigatórias no transporte público e no comércio em países da Europa”, conta o físico de 29 anos. Com mestrado e doutorado em engenharia biomédica pela USP e membro do Observatório Covid-19 BR, ele conta como se tornou divulgador científico, participando de lives e entrevistas sobre o tema.
Em depoimento a Lia Hama
Moro nos Estados Unidos, onde trabalho como pesquisador na Faculdade de Medicina da Universidade de Vermont. Meu projeto de pesquisa é sobre quimioterapia intratumoral para pacientes com câncer no pulmão. No final de setembro do ano passado, vim para o Brasil buscar minha esposa, que havia sido impedida de viajar com o fechamento das fronteiras provocado pelo novo coronavírus.
Fiquei bastante impressionado com as medidas de prevenção contra a Covid-19 em voga na maioria dos locais que visitei no Brasil. A sensação foi de que a compreensão sobre como se dá a transmissão do vírus estava bastante atrasada em relação às descobertas científicas mais recentes sobre a doença. O foco ainda estava muito na transmissão por superfícies, algo que se falou muito no começo da pandemia, há mais de um ano, quando as pessoas passaram a higienizar as compras de supermercado. No entanto, as evidências apontavam muito mais para a transmissão a partir da inalação de pequenas gotículas leves e aerossóis em suspensão, emitidos por uma pessoa infecciosa.
Os protocolos no Brasil estavam muito desatualizados. O álcool em gel e a medição de temperatura estavam presentes em muitos locais, mas havia pouco foco em ventilação de ambientes e prioridade para locais ao ar livre. Além disso, quase ninguém usava máscaras PFF2 em ambientes de maior risco. Atualmente, em alguns países da Europa, as máscaras equivalentes à PFF2 são obrigatórias em locais com pouca ventilação, como transporte público, lojas e escritórios. No Brasil, no começo da pandemia, era difícil achar essas máscaras e a prioridade era para uso dos profissionais de saúde. No entanto, hoje já é possível encontrar esse tipo de EPI (Equipamento de Proteção Individual) em muitos lugares e a preços acessíveis.
Faço parte do Observatório Covid-19 BR, grupo independente de cientistas brasileiros de diversas áreas, que estudam desde a questão da saúde pública e da vacinação até o impacto econômico da pandemia. Dentro do Observatório, há um grupo que faz divulgação científica, com objetivo de atualizar as últimas evidências científicas sobre a doença. Também passei a usar minha conta de Twitter (@vitormori) para falar sobre a importância da transmissão do vírus pelo ar e explicar como podemos nos proteger no dia a dia. Tento ser o mais didático possível, utilizando analogias intuitivas para explicar como se dá a transmissão do vírus e focando em textos curtos e diretos. Por vezes as pessoas podem não estar interessadas em conhecer todos os detalhes científicos, só querem entender a melhor forma possível de se proteger.
No contexto brasileiro em que alguns locais fechados, mal ventilados e com muita gente, como o transporte público, são inevitáveis, passei a falar bastante sobre a importância da máscara PFF2, como usá-la corretamente e, principalmente, como reutilizá-la de forma segura. Ela não pode ser lavada nem pode ter contato com álcool, mas pode ser reutilizada, após ao menos três dias de quarentena. No entanto, o mais importante é evitar locais de maior risco. Para atividades ao ar livre, com distanciamento físico, máscaras de tecido bem ajustadas são suficientes.
Os tuítes foram ganhando repercussão e uma coisa foi puxando a outra. Em novembro, me chamaram para participar de uma live num canal do YouTube chamado Olá Ciência. O vídeo já tem mais de 1 milhão de visualizações. O número de seguidores foi crescendo, e passei a ser convidado para dar entrevistas a jornais e sites, especialmente sobre máscaras, junto com outros divulgadores, como a Beatriz Klimeck, do perfil do Instagram @qualmascara.
Desde que comecei a tuitar sobre o tema no final de setembro, sinto que estou repetindo a mesma coisa. O que muda é que o público é rotativo. Sinto-me gratificado quando percebo que as pessoas estão entendendo e, mais importante, estão passando as informações para frente. O Twitter é uma bolha. A maior parte das pessoas não está no Twitter e, sim, no Facebook, no Instagram e, principalmente, no WhatsApp. Então fico feliz quando alguém me conta: “Expliquei para a minha avó como se dá a transmissão do vírus pelo ar, usando a analogia que você fez com a fumaça do cigarro. Agora, sempre que ela sai, usa máscara e vai a locais ao ar livre, com pouca gente.” Além do @qualmascara, surgiram outros perfis que dão dicas sobre onde comprar as máscaras PFF2 e tiram dúvidas sobre as mesmas, como a @estoque_pff e o @pffparatodos. Isso ajudou bastante porque eu não estava conseguindo encontrar tempo para responder todo mundo.
Com relação à minha carreira, sei que estou no começo e tenho um longo caminho a percorrer. Após o pós-doutorado, pretendo continuar na área acadêmica e buscar uma vaga de professor. Não posso me dar ao luxo de escolher onde irei trabalhar, então estou disposto a seguir onde as oportunidades aparecerem, seja no Brasil ou no exterior.
Sei que está todo mundo exausto com a pandemia, mas ela vai passar. Toda pandemia da história teve começo, meio e fim. O Sars-CoV-2 possivelmente vai continuar circulando de maneira sazonal, mas esse cenário descontrolado que estamos vivendo vai acabar. Já há uma luz no fim do túnel: um ano depois, várias vacinas comprovadamente seguras e eficazes estão disponíveis. É uma vitória da ciência conseguir isso em tão pouco tempo. Temos que cobrar dos governos políticas públicas para controle da pandemia e a vacinação da população o mais rápido possível, além de informação, uma boa comunicação sobre as medidas de prevenção. Enquanto isso, fazemos nossa parte: quanto mais aderirmos às medidas de prevenção, mais rápido sairemos dessa. Fique em casa o máximo que puder. Se não puder, procure ambientes ao ar livre, com distanciamento físico. Se precisar ir a um local fechado, mal ventilado e com muita gente, use máscara de boa qualidade, bem ajustada ao rosto, de preferência uma PFF2.
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