Presidentes da República, no Brasil e no mundo, não costumam receber presentes que valham mais do que alguns milhares de reais. Muito menos costumam tentar raptá-los para seu acervo pessoal. O novo escândalo de Jair Bolsonaro, revelado pelo Estadão, chama atenção por esses dois aspectos. Estimado em 16,5 milhões de reais, o conjunto de joias que o governo da Arábia Saudita quis entregar a Michelle Bolsonaro supera, em valor, todos os presentes recebidos por Joe Biden e a primeira-dama, Jill Biden, em 2021. (Os sauditas, até onde se sabe, têm relação muito mais estreita com os Estados Unidos do que com o Brasil). O valor é tão alto que, caso Bolsonaro tivesse pago multa e imposto para liberar as joias na alfândega, a arrecadação da Receita Federal com operações desse tipo teria sido 26% maior em 2022. O =igualdades mostra, em números, o absurdo da situação.
O presente mais caro que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu de uma autoridade estrangeira em 2021, veio, ironicamente, de um de seus desafetos: Vladimir Putin. O presidente russo deu a ele um conjunto com itens de escrivaninha avaliado em US$ 12 mil. Nada nem perto das joias de R$ 16,5 milhões destinadas a Michelle Bolsonaro. Nem mesmo os presentes declarados por todas as autoridades do governo federal americano, somadas, se aproximam do valor das joias: os servidores americanos receberam, ao todo, US$ 309,4 mil em presentes – o equivalente, hoje, a R$ 1,6 milhão.
Qualquer viajante que chegue ao Brasil trazendo um item que valha mais do que US$ 1 mil (R$ 5,2 mil) deve declarar esse item à Receita Federal. Não foi o caso das joias de R$ 16,5 milhões trazidas da Arábia Saudita. Por não terem sido declaradas, foram retidas pela Receita – e a única forma de reavê-las seria pagando multa (25% do valor das joias) e imposto (50% do valor das joias). Ou seja: seria preciso desembolsar em torno de R$ 12 milhões. É um valor altíssimo. Em 2022, no Brasil todo, a Receita arrecadou R$ 45,2 milhões com impostos e multas sobre bens não declarados.
Jair Bolsonaro foi deputado federal por 28 anos. Mesmo que o salário de deputado tivesse tido sempre o valor atual (R$ 39,3 mil), Bolsonaro não conseguiria, em todo esse tempo, acumular a fortuna de R$ 16,5 milhões – preço estimado das joias sauditas. Elas equivalem, em valor, a 420 salários de deputado federal – ou seja, 35 anos de trabalho.
Em 2022, a Receita Federal registrou 13,3 mil apreensões de bens que entravam no Brasil sem a devida declaração. Apreensões como essas são feitas em aeroportos, portos e rodovias. Juntos, os bens apreendidos valiam R$ 1 bilhão. A média, portanto, foi de R$ 79,7 mil por apreensão (as apreensões podem ser de um item ou mais). As joias destinadas a Michelle Bolsonaro, avaliadas em R$ 16,5 milhões, fogem muito ao padrão.
No Brasil inteiro, em 2022, a Receita Federal apreendeu 253 mil consoles e acessórios de videogames que deviam ser declarados e não foram. Eles valem, somados, R$ 14,9 milhões. É quase o mesmo valor de uma só apreensão: a das joias da Arábia Saudita.
O principal item apreendido pela Receita Federal – tanto em valor quanto em quantidade – são cigarros. Em 2022, eles responderam por 27% das apreensões de itens não declarados ou contrabandeados. Roupas, relógios, bolsas e acessórios foram 6% das apreensões.
Os leilões da Receita Federal movimentam uma fortuna, e o ano de 2021 foi particularmente próspero: foram arrecadados R$ 632,1 milhões com a venda de itens apreendidos. É a maior arrecadação da série histórica, iniciada em 2000.
Editor do site da piauí
É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno