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    Disputa política tirou o Altos do estádio Felipe Raulino Foto: Vitória Pilar

questões político-futebolísticas

Um político de cada lado, e um time impedido

Em Altos, divergência entre prefeito e deputado estadual deixa time sem estádio

Vitória Pilar, de Altos (PI) | 26 jun 2024_15h51
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Da casa de Maria do Rosário Pereira em Altos, no Piauí, é possível ver o Estádio Municipal Felipe Raulino, conhecido como Felipão. A vista, porém, mudou: da arena lotada, com capacidade para 4 mil pessoas, e muita movimentação nos arredores, nos últimos tempos só se vê o portão fechado e mais ninguém. Há três anos, uma rixa política impede o time (que leva o nome da cidade, localizada 41 km de Teresina) de jogar no espaço, um balde de água fria para os torcedores do pedaço. 

A Associação Atlética de Altos surgiu em 2013 e profissionalizou-se dois anos depois, quando disputou e venceu a segunda divisão do campeonato estadual. No ano seguinte, estreou e foi vice-campeã do torneio da elite do futebol piauiense (perdeu o título após escalar um jogador irregularmente). A ascensão local rendeu bons frutos. Desde 2020, o clube tem atuado em torneios nacionais, como edições do Campeonato Brasileiro (atualmente está na Série D) e da Copa do Brasil — em 2022, o Altos embolsou 7 milhões de reais – entre cotas de participação e bilheteria – ao chegar à terceira fase da competição, quando foi eliminado pelo Flamengo. 

A evolução esportiva mudou a dinâmica da cidade de 40 mil habitantes. Na pequena calçada de Pereira, motos se espremiam para conseguir uma vaga de estacionamento em dias de jogos. No meio da agitação, a aposentada encontrou uma oportunidade para ganhar dinheiro: começou a preparar e vender dindins de fruta (também conhecido como geladinho ou sacolé, um doce gelado vendido em saquinhos plásticos) a 1 real. Os jogadores viraram fregueses, e ela se tornou habitué nas confrontos do Altos em seus domínios. “Agora não tem venda, nem jogo, nem nada e nem ninguém. Só o deserto na rua”, lamenta em conversa com a  piauí. Ela não foi a única a sentir no bolso a ausência do clube atuando na cidade. Ao lado de sua casa, um bar que vivia cheio durante os duelos fechou as portas e se mudou para outro bairro. 

As divergências políticas que afetam o futebol e a rotina da cidade se intensificaram após as eleições municipais de 2020 e têm dois personagens principais: o atual prefeito Maxwell da Mariínha (MDB) e o deputado estadual Warton Lacerda (PT), presidente do Altos. Maxwell venceu o sufrágio contra Carlinhos Leal (PT), que era apoiado pela ex-prefeita e esposa de Lacerda, Patrícia Leal (PT).

Poucas semanas após Maxwell assumir a prefeitura, Lacerda afirma ter solicitado à secretaria municipal de esportes um ofício de liberação para continuar utilizando as dependências do estádio Felipe Raulino. O dirigente disse à piauí que a demanda nunca foi respondida pelo órgão. 

Informalmente, ele soube que a decisão estaria a cargo do novo prefeito, – seu rival político. “O pessoal de Altos é fanático e sempre lotava o estádio. Mas, devido a essa má gestão desse prefeito, que não gosta de futebol e proibiu o time de jogar na cidade, estamos vivendo isso”, criticou Lacerda.

Procurada pela piauí, a Prefeitura de Altos afirma que desconhece  o recebimento de qualquer pedido oficial do presidente do Altos para usar o estádio. A gestão disse também que ofereceu o uso do local à equipe, mas condicionou a liberação ao custeio das despesas de manutenção do gramado pelo clube, alegando que o espaço é público e deve estar em condições ideais para uso dos cidadãos, e não só do time profissional. “Na gestão anterior [Patrícia Leal], não tinha essa exigência pelo fato de o local funcionar com exclusividade para o time do Altos. Foi o período em que a esposa do presidente era a prefeita e ele era o secretário de administração do município. A alegação de que a Prefeitura de Altos proibiu o time particular do deputado de jogar no Felipe Raulino é uma fake news, a menos que ele possa provar tal proibição”, diz o texto. 

A prefeitura alega que a proibição para usar o estádio começou em 5 maio de 2021, durante uma confusão entre os jogadores do Altos e do Fluminense-PI, em duelo válido pelo campeonato estadual. Na ocasião, um homem uniformizado com a camisa do Altos agrediu e tomou o celular de uma jornalista da TV Clube, afiliada da Rede Globo. Dois dias depois, o Tribunal de Justiça Desportiva do Piauí interditou o campo em decisão liminar por falta de segurança. 

A Federação de Futebol do Piauí afirmou à piauí que a situação já foi regularizada e que a liminar não tem mais validade, mas não especificou quando as adequações no estádio foram feitas. 

Lacerda é alvo de uma ação civil pública protocolada pelo Ministério Público do Piauí em agosto do ano passado por suspeita de improbidade administrativa. A acusação é de que o deputado tenha direcionado as próprias emendas parlamentares à Secretaria de Esportes para, posteriormente, destiná-las ao Altos mediante contrato de patrocínio no valor de 584 mil reais. O logo da secretaria foi exposto em jogos da equipe no Campeonato Piauiense, Copa do Nordeste e Copa do Brasil em 2022. “Estou tranquilo e não fiz nada de errado. A minha defesa foi feita nos autos”, explicou Lacerda. 

A dividida terá novos capítulos na eleição municipal, em outubro, que deverá ter Lacerda e Maxwell como candidatos. O primeiro, filiado ao PT desde 2017, busca apoio junto ao governador do estado e companheiro de partido, Rafael Fonteles. O gestor estadual, aliás, acompanhou do estádio a vitória do Altos na final do campeonato piauiense deste ano. 

O emedebista Maxwell, que busca a reeleição, é próximo do ex-ministro da Casa Civil e senador Ciro Nogueira (PP), e declarou voto em Bolsonaro no primeiro turno da disputa presidencial de 2022. No segundo turno, apoiou Lula, com direito a ato público e a presença de Wellington Dias (PT), então governador e atual Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. 

Em março, Maxwell comemorou o fato de ter ido a Brasília a convite do presidente Lula para participar do evento que anunciou a construção de cem novos institutos federais pelo país. Altos será uma das contempladas com uma unidade do Instituto Federal do Piauí. 

A barafunda política afetou a vida do clube de formas variadas. Com os jogos realizados em Teresina, atletas e comissão técnica optaram por se mudar para a capital, onde os aluguéis e o custo de vida, como transporte e alimentação, são mais altos. É o caso do meio-campista Leonardo Santos, que está no Altos há sete anos e viu o orçamento familiar (ele é casado e tem três filhos) apertar com a mudança de ares. A situação também tem impacto psicológico. “A cidade parava para torcer, lotava o estádio, se formava um verdadeiro caldeirão no Felipão. É uma ausência significativa e que faz falta.” 

Em Teresina, o Altos costuma treinar na Universidade Estadual do Piauí ou no Centro de Educação Profissional da Polícia Militar. As partidas da Série D do Brasileirão ocorrem em dois campos: no Alberto Tavares Silva, o Albertão, com capacidade para 52 mil pessoas, ou no Lindolfo Monteiro, que comporta cerca de 5700 pessoas. A ida para a capital dificultou a presença da torcida nos confrontos – o clube freta um ônibus que leva 50 apoiadores e distribui ingressos de cortesia para os jogos. A média de público na capital é de 300 pessoas – longe das quase 4 mil que compareciam às partidas em Altos. Com o faturamento em queda, o clube tem acumulado prejuízos. Nos três últimos duelos pela quarta divisão do futebol nacional, todos no Lindolfo Monteiro, a renda líquida não foi suficiente para custear despesas operacionais, como bilheteiros, o delegado da partida e o lanche dos policiais, segundo boletim financeiro disponibilizado no site da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). 

Apesar das dificuldades, parte da torcida não abandona a equipe. É o caso da torcedora Mônica Pinheiro, que estava nas arquibancadas do Lindolfo Monteiro no sábado (15) e acompanhou a vitória do Altos por 2 a 0 sobre o Águia de Marabá, do Pará. Fanática pelo Jacaré, o mascote do time piauiense, ela garante assistir a todas as partidas do clube, seguindo-o aonde for. Os deslocamentos para Teresina são o tema principal no grupo de WhatsApp com torcedores da agremiação em que ela está. “Era a alegria do pessoal. Subia nos muros, botava caminhão, caçamba para poder ficar olhando. Agora o estádio (Felipe Raulino) está acabando”, reflete Pinheiro. 

Insatisfeito com o impasse político e as idas para capital, a direção do Altos tem planos para construir um estádio próprio. O projeto, que está estimado em 6 milhões, ainda não saiu do papel, mas Lacerda acredita que ele estará pronto em 2025. A capacidade será de cerca de 10 mil pessoas, com ambição de receber não só jogos de futebol, mas também shows e eventos tradicionais da região. Nos próximos meses, o dirigente quer atrair recursos do governo federal e emendas de deputados para viabilizar a obra.

A torcida organizada do Altos, intitulada Altos Chopp, estima que o clube tenha mais de 10 mil torcedores engajados. O grupo, segundo o presidente da organizada, Ronivaldo Faustino, tem crescido constantemente. “Quando os jogos aconteciam aqui, era sempre como clima de Copa do Mundo. Nunca houve estádio vazio”, comenta. “Uma coisa é certa: quando o time puder jogar novamente em nossa cidade, o ônibus fretado terá que fazer o caminho inverso: em vez dos torcedores saírem de Altos para a capital, será Teresina que enviará seus torcedores para nos apoiar.”

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