Depois de ouvir o grampo de Joesley e Temer, Cunha confidenciou a amigos ter ficado satisfeito ao saber que o presidente se preocupava com ele, mas decepcionado por constatar que a preocupação tinha limites. FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Lá vai flecha
Alvejado por Rodrigo Janot, o presidente Michel Temer tenta agora evitar os dardos de Eduardo Cunha
O presidente Michel Temer encerrou com um suspiro de alívio o ciclo mais difícil desde que assumiu o governo: na última semana, comemorou a soltura de seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala ao qual se referiu ao empresário Joesley Batista ser pessoa de sua “estrita confiança”. A libertação de Loures desarmou uma bomba, mas o campo continua minado. Temer sabe disso, e seus movimentos públicos – desde o pronunciamento em que declarou guerra aberta ao procurador-geral Rodrigo Janot até a escolha a jato da procuradora Raquel Dodge, para a PGR – têm destinatário certo. Alguém que não mora em Brasília e sequer pode se deslocar de onde vive, mas que guarda munição suficiente para sepultar de vez o governo: Eduardo Cunha.
Nesses dias de movimentação frenética em Brasília, ao mesmo tempo em que conta votos para derrubar a denúncia oferecida ao Congresso pelo Ministério Público – Temer é acusado de corrupção passiva –, o círculo mais próximo do presidente da República se arrepia ao pensar no que pode vir a seguir. Se o medo, antes, era uma eventual delação do operador Lúcio Funaro, agora o doleiro virou conversa de segunda.
Interlocutores do presidente e do homem da mala já fizeram chegar ao Jaburu que Eduardo Cunha afirma ter documentos que provam que Temer recebeu recursos ilícitos. Dizem também que o ex-deputado está em negociações avançadas com a PGR. Os recados, no entanto, vêm em tom de ameaça velada: Cunha está falando, mas ainda não tomou a decisão fatal de delatar o antigo companheiro Temer. Para o presidente, a estratégia crucial é manter Cunha calmo e calado.
Do outro lado do ringue, o procurador-geral da República anseia pelas revelações que o ex-deputado pode fazer, e gostaria de fazer desta a última delação de seu mandato. Rodrigo Janot mandou recados públicos e diretos no último fim de semana, quando compareceu a um congresso organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, em São Paulo. De sua boca, Temer pôde ouvir (e ler nas manchetes dos principais jornais do país) que “não é preciso prova satânica” para levar adiante o caso contra o presidente, que “até 17 de setembro a caneta da Procuradoria continua nas minhas mãos” e que “enquanto houver bambu, vai flecha”, quando arrancou risadas da plateia.
Hoje, tanto Temer quanto Janot sabem que quem tiver Cunha a seu lado dará o golpe final. No Planalto, espera-se que as falas belicosas de Temer propagadas nos últimos dias tenham sido assistidas na cela por Eduardo Cunha, e que isso possa ter reforçado no ex-deputado preso a ideia de que vale a pena esperar. A mensagem que o governo quer passar é clara: há chances de sobreviver às flechadas de Janot.
O mesmo espera-se da nomeação de Raquel Dodge, inimiga de Janot. No raciocínio dos peemedebistas, Dodge poderia diminuir o ímpeto investigatório da Lava Jato, deixando Temer em posição confortável e mudando os ventos no Supremo Tribunal Federal. Depois de conhecer o conteúdo da conversa gravada por Joesley com o presidente da República, Cunha disse a quem o visitou ter ficado satisfeito ao saber que o presidente se preocupava com ele (“tem de manter isso aí, viu?”), mas decepcionado por constatar que o esperado habeas corpus era praticamente impossível (“posso ajudar com dois ministros do Supremo, mas com onze é complicado”).
Pressionado pela família e Quatro ases contra Temer, Cunha começou a mandar recados a Janot. Iniciou-se, então, um leva e traz entre advogados e procuradores, de final ainda em aberto. Como Cunha e Janot viviam em pé de guerra quando o ex-deputado estava solto, ele teme fazer uma proposta de delação e ver as informações serem utilizadas nas investigações sem que se faça um acordo. Janot, por sua vez, quer as informações de Cunha para liquidar Temer, mas está acossado pela crítica generalizada de que foi benevolente demais com os delatores da JBS.
No frio de Curitiba, Cunha avalia suas opções, enquanto Brasília ferve. Assim como no processo que levou ao impeachment de Dilma, os movimentos do ex-deputado terão influência decisiva sobre o futuro de Michel Temer. Só que, desta vez, Cunha tem algo mais importante com que se preocupar: Cunha quer falar.
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