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    FOTO: SYLVIO SIRANGELO_TRF-4

questões político-jurídicas

3 a 0: TRF-4 confirma condenação e aumenta pena de Lula

Ex-presidente discursou em São Paulo: “Eu até já nem queria mais fazer política. Eu agora quero ser candidato a presidente da república.”

Alexandre de Santi, Naira Hofmeister, Fabio Victor, Tiago Coelho, Luiz Guilherme Gerbelli e Vitor Hugo Brandalise | 24 jan 2018_14h56
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Essa reportagem foi atualizada às 20h20

Os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, confirmaram a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e ativa e por lavagem de dinheiro, e foram unânimes ao aumentar a pena do réu em 29%, passando de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado. Na análise de apelação no TRF-4, nesta quarta-feira, os três desembargadores acataram a sentença condenatória do juiz Sérgio Moro de que Lula teria recebido propina da empreiteira OAS por meio de um tríplex no Guarujá. Gebran Neto, Paulsen e Laus rejeitaram as alegações da defesa de que não haveria provas de corrupção contra o ex-presidente.

Lula se pronunciou sobre a decisão à noite, em ato na Praça da República, no Centro de São Paulo. “A decisão eu até respeito porque foi deles. O que não aceito é a mentira pela qual tomaram a decisão. Eu quero que eles me mostrem qual é o crime que o Lula cometeu”, discursou o ex-presidente. “Eu até já nem queria mais fazer política. Eu agora quero ser candidato a presidente da República.”

O julgamento de Lula começou às 8h32 com a leitura das acusações contra o ex-presidente, feita por Gebran Neto – que é amigo e ex-colega de mestrado de Sérgio Moro. Em seguida, foi a vez das partes falarem. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, expôs seus argumentos em quinze minutos. A defesa afirmou que “é claro pelas provas dos autos” que o ex-presidente não é dono do tríplex, que seria de propriedade da OAS. Segundo Zanin, a falta de provas periciais que indiquem delitos financeiros deveria acarretar na nulidade do processo.

O defensor criticou Moro, pela divulgação das ligações telefônicas entre Lula e Dilma, e os procuradores, afirmando que a ação nasceu “num PowerPoint que já tratava o ex-presidente da República como culpado no momento do oferecimento da denúncia.” A única boa notícia para a defesa foi a manutenção da absolvição de Lula e Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, sobre um dos pontos do processo, o armazenamento do acervo presidencial.

Primeiro a votar, o relator João Pedro Gebran Neto levou 3 horas e meia para ler a íntegra de sua decisão. “Há prova acima do razoável que o ex-presidente foi um dos principais articuladores, se não o principal, do esquema de corrupção na Petrobras. As provas indicam que, no mínimo, ele tinha ciência e dava suporte”, disse. “O que dá sustentação e validade a indícios de prova indireta é a convergência com outras provas existentes no processo. O imóvel esteve e está averbado em nome da OAS. E isso se dá porque além de não ter havido transferência formal para outro proprietário, o regime jurídico da incorporação exige que se passe para o nome do dono apenas após se ultimar a compra.”

O professor da FGV-Direito Michael Mohallem analisou o voto de Gebran Neto para a piauí. “Ao afirmar que os indícios não devem ser tratados como provas menores, a indicação é de que podem ser valorados em conjunto com outras provas. Ainda que individualmente sejam frágeis, as provas podem ganhar força quando inseridas no contexto das narrativas de delatores”, explicou Mohallem. “Essa visão antecipa a rejeição a um dos argumentos centrais da defesa de Lula sobre a impossibilidade de afirmar que era proprietário do imóvel sem que exista prova documental.”

A controvérsia jurídica que acompanha este debate, segundo o professor, é que “nem sempre os crimes de corrupção deixam rastros documentais rastreáveis até o acusado”. “O desafio nesses casos é não deixar que a lei sirva apenas aos casos mais ‘simples’ do ponto de vista da prova. Porém, como é evidente, em casos difíceis, como o de Lula, é possível construir teses e narrativas que competem com a que é apresentada pela defesa”, explicou Mohallem.

Em sua justificativa de voto, de 430 páginas, Gebran Neto afirmou que Lula deu “amplo apoio” ao esquema de desvios de recursos na petroleira, “com interferência direta na indicação de diretores da estatal para obterem recursos ilícitos a partidos aliados e, em especial, ao Partido dos Trabalhadores”. Para o relator, o esquema visava enriquecimento pessoal dos envolvidos, obtenção de recursos para campanhas e para manter apoio político do governo, “recheando os cofres dos partidos com doações ilegais e violando o caráter democrático do pleito”.

Gebran negou a tese da defesa de que é necessária a caracterização de um ato de ofício para se comprovar o crime de corrupção. “Este tipo penal dispensa ato de ofício e exige só a solicitação de valor ilícito.” Como precedentes, o desembargador citou decisões de Rosa Weber, Luiz Fux e José Antônio Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal.

Durante a leitura do voto, a expectativa da condenação impulsionou a Bolsa brasileira e derrubou o dólar nesta quarta. O Ibovespa subiu 2,2% e o dólar caiu 1,5%.

 

Revisor da ação, o desembargador Leandro Paulsen apontou para uma condenação logo no início de seu voto, com frases como “a lei é pra todos” e “aqui ninguém pode ser condenado por ter costas largas ou absolvido por ter as costas quentes”. “Relativamente a Lula da Silva há elementos de sobra para mostrar que concorreu para os crimes de modo livre e consciente. Que concorreu para viabilizar esses crimes e para perpetuá-los”. Paulsen disse que as provas mostraram participação da família de Lula na reforma do tríplex e, por isso, ficou comprovada a corrupção: “É de se perguntar se alguém que não é titular do imóvel define piscina, elevador. Se alguém em apartamento de outrem aprova uma cozinha de 150 mil reais e não pergunta o preço.”

A atuação do ex-presidente no esquema da Petrobras é “inequívoca” para o magistrado. “O réu agiu por ação e omissão para a prática criminosa.” Como prova da existência da quadrilha, citou os milhões de reais devolvidos pelos delatores da Petrobras a partir de suas contas pessoais.

Quanto à lavagem de dinheiro, Paulsen teve a mesma opinião do relator Gebran Neto. Lula é culpado porque a OAS foi seu “laranja” ao assumir a titularidade do imóvel, que seria o pagamento da propina. O presidente da 8ª turma também acompanhou o relator no recurso do MPF, que considerava a existência de três crimes de corrupção, em vez de um, como sentenciou Moro. A troca poderia aumentar a pena de Lula. Com isso, Paulsen manteve a pena do ex-presidente – e o voto de Gebran na íntegra.

O último desembargador, Victor Luiz dos Santos Laus, não leu o voto e preferiu discursar de improviso para pontuar alguns argumentos da defesa e ilustrar o contexto da ação no âmbito da Lava Jato. “Julgamos fatos, não pessoas”, começou dizendo.

Depois de quase uma hora, na qual tentou esmiuçar as questões em termos mais populares, fugindo das expressões jurídicas, concluiu: “As provas resistiram às críticas, ao embate e ao contraponto. Portanto, se resistiram, resultou demonstrada a acusação que veio a juízo.” Em seguida, Laus também acompanhou o voto do relator na íntegra.

Lula estava condenado por 3 a 0. Eram 17h45 quando Leandro Paulsen encerrou os trabalhos. A decisão colocou Lula sob o guarda-chuva da Lei da Ficha Limpa, mas cabem recursos no TRF-4 e em outras instâncias, de forma que o futuro do petista – e das eleições de 2018 – segue indefinido.

O DIA DE LULA

O ex-presidente assistiu ao julgamento na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), acompanhado de aliados e de familiares. Ele chegou ao local às 10h10 e falou rapidamente com a militância antes do fim do voto de Gebran, por volta das 11h20. “A única decisão que espero é que eles, por 3 a 0, digam que o juiz Moro errou. Se vai acontecer ou não, eu não sei. Se isso não acontecer, temos ainda muito tempo pela frente para tentar mostrar que houve um equívoco”, disse, ovacionado com gritos que marcaram suas campanhas presidenciais. Depois disso, voltou a acompanhar a sessão em uma sala reservada junto a deputados e lideranças locais. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, conversou com o ex-presidente após a sentença e disse que ele recebeu a condenação com “indignação natural”, mas com “serenidade”.

Ao se pronunciar sobre o julgamento à noite, na Praça da República, Lula afirmou não ter “nenhuma ilusão com o comportamento dos juízes da Lava Jato”, que “não admitiam mais a ascensão social dos pobres deste país”. “Se eles me condenaram, me deem o apartamento, aí justifica. Eu até pedi para o pessoal do Guilherme Boulos ocupar aquele apartamento. Já que é meu, ocupem”.  A organização do ato divulgou que 50 mil pessoas estariam presentes na Praça da República. A piauí estimou que havia entre 20 e 25 mil pessoas, distribuídas em uma área de 5 660 metros quadrados, com uma densidade variável entre 3,5 e 4,5 pessoas por metro quadrado.

OAS E INSTITUTO LULA

Lula não era o único réu no processo original julgado por Moro em primeira instância. Eram sete no total, sendo que três foram condenados em primeira instância e quatro absolvidos. Além de Lula, foram também condenados Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, por corrupção ativa e lavagem de dinheiro a 10 anos de 8 meses de prisão, e Agenor Franklin Magalhães Medeiros, ex-executivo da OAS, condenado por corrupção ativa a 6 anos de prisão. Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, Paulo Gordilho, ex-executivo da OAS, Fábio Hori Yonamine, ex-presidente da OAS Investimentos, e Roberto Moreira Ferreira, ligado à empreiteira, foram absolvidos da acusação de lavagem de dinheiro.

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