Marcha de mulheres negras no Rio: "sem mulheres nos espaços decisórios não há como alterar a rotina de profunda violência e desigualdade". Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil
Condenar o machismo é o mínimo
Não basta governar para mulheres – é preciso governar com mulheres
No mesmo Sete de Setembro em que o presidente da República chamava sua esposa de princesa e incitava o coro de “imbrochável” junto aos seus apoiadores na Esplanada dos Ministérios, a repórter Jéssica Dias, da ESPN, estava escalada para a cobertura do jogo entre Flamengo e Vélez Sarsfield por uma vaga na final da Libertadores. A jornalista estava posicionada em frente ao estádio do Maracanã para uma entrada ao vivo quando foi abordada por um torcedor do Flamengo, que a beijou sem permissão. Possivelmente o assediador se julgava “imbrochável” e resolveu demonstrar isso publicamente. Coube ao filho do agressor, menor de idade, pedir desculpas pelo pai. A repórter acabou a noite de trabalho na delegacia, registrando o crime de importunação sexual.
Infelizmente, cenas como essa são mais comuns do que nós, mulheres, gostaríamos. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que nos doze primeiros meses da pandemia de Covid, 37,9% das brasileiras sofreram algum tipo de assédio de cunho sexual; 5,4% delas afirmaram ter sido beijadas sem seu consentimento, o equivalente a 3,7 milhões de mulheres de 16 anos ou mais; 7,9% relataram ter sido assediadas no transporte público, cerca de 5,5 milhões de mulheres. Dados que traduzem as enormes desigualdades de gênero que imperam na sociedade brasileira.
Episódios de assédio e importunação sexual também acontecem no ambiente de trabalho. Lembremos da deputada Isa Penna (PCdoB), que sofreu importunação sexual de outro deputado, Fernando Cury (União Brasil), no meio do plenário da Alesp. O parlamentar achou de bom tom apalpar o seio da colega, enquanto a abraçava por trás, o que foi registrado pelas câmeras de segurança. Em decisão inédita, o deputado foi suspenso por seis meses do cargo.
A frequência com que diferentes formas de violência contra a mulher seguem ocorrendo levanta a questão: qual é, afinal, o lugar da mulher no Brasil de 2022? A pouco menos de um mês das eleições, vemos analistas políticos e campanhas dos presidenciáveis ressaltarem a importância do voto feminino. Mulheres representam 51% da população e 53% do eleitorado, mas seguem sub-representadas na política institucional e em espaços de poder. São 34% dos concorrentes a uma vaga nas eleições deste ano, o que só foi possível graças a uma norma de 2018 que estabelece cota mínima de 30% do fundo eleitoral para candidatas mulheres.
Apesar da importância do voto feminino para viabilizar a eleição dos presidenciáveis, o compromisso dos principais candidatos com a agenda de equidade de gênero é, no mínimo, questionável. Verdade seja dita, o candidato e atual presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca se comprometeu com políticas de defesa dos direitos da mulher. Pelo contrário, não faltam exemplos de comportamentos machistas, misóginos e sexistas em seu currículo. Quando deputado, ficou conhecido por muitos como aquele que teria dito a uma colega parlamentar que não a estupraria porque ela era feia. Já presidente, tornou habituais as ofensas direcionadas a jornalistas mulheres. Em casos mais recentes, acusou a jornalista Vera Magalhães de dormir pensando nele após se irritar com uma pergunta durante o debate da Band, e respondeu “seu marido vota em mim” à jornalista Amanda Klein ao ser questionado durante uma entrevista à rádio Jovem Pan.
Os demais candidatos também têm vacilado ao se esquivarem de compromissos relativos à igualdade de gênero. O ex-presidente Lula (PT), que lidera as intenções de voto, quando questionado no debate da Band sobre uma eventual paridade de gênero no primeiro escalão de seu governo, não quis se comprometer. Bem diferente do primeiro-ministro canadense que, após compor um gabinete com 50% de representação feminina, quando questionado sobre as razões para tal decisão, respondeu: “Porque é 2015.”
O candidato Ciro Gomes (PDT), por sua vez, embora se coloque como um ferrenho defensor da igualdade entre homens e mulheres, preteriu a atual governadora do Ceará, Izolda Cela (PDT), na disputa eleitoral para o governo do estado. Izolda, que foi vice de Camilo Santana (PT) por duas gestões e ficou conhecida nacionalmente por sua liderança na gestão da educação do estado, não foi escolhida pela cúpula do PDT para concorrer à reeleição, o que culminou em sua saída do partido.
Ou seja, apesar de todas as análises indicarem que o voto feminino pode decidir a eleição deste ano, os três candidatos que lideram as pesquisas há meses têm vacilado sobre seus compromissos com este eleitorado. Condenar o machismo ou propor políticas de proteção para metade da população brasileira é o mínimo que se espera de um candidato. Mas estamos em 2022, o mundo mudou e parece que parcela significativa do universo masculino e da política brasileira não notaram. Sem mulheres nos espaços decisórios não há como alterar essa rotina de profunda violência e desigualdade. Se os principais candidatos à presidência têm afirmado que vão governar para as mulheres, estão dispostos a governar com as mulheres?
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