Ilustração: Carvall
A política entrou no quartel (e é de direita)
Dos policiais que concorrem a cargos eletivos este ano, 95% são candidatos por partidos de direita ou centro-direita
“Quero seu apoio para continuar tocando o terror na esquerda e na bandidagem! (sendo eles a mesma coisa)”, afirma Sargento Fahur, deputado federal pelo PSD do Paraná e candidato à reeleição, em uma postagem em rede social de 18 de agosto. O policial militar reformado é um fenômeno das redes sociais, ostentando 4,3 milhões de seguidores apenas no Facebook. Para se ter uma ideia do que isso significa em termos de engajamento digital, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 5 milhões de seguidores na mesma rede. Fahur é apenas mais um, dentre várias personalidades do universo policial, que concorre a cargo eletivo na eleição de 2022, ano que registrou 1.888 candidatos oriundos das forças de segurança pública, crescimento de 29% em relação à eleição de 2018. O fenômeno de policiais na política é tão intenso que “policial militar” está entre as cinco ocupações mais frequentes este ano. A quase totalidade desses candidatos está em partidos de direita ou centro-direita, 95%, diferente do pleito de 2010, quando eram 76,2%.
Por um lado, o aumento de policiais que pleiteiam cargos eletivos pode ser visto como sinal de vitalidade democrática. Assim como qualquer outro grupo organizado, é legítimo – e está previsto na Constituição de 1988 – que policiais busquem ocupar espaços decisórios e demandem melhorias para suas categorias profissionais. Por outro lado, esse crescimento das candidaturas policiais isento de regras rígidas pode estimular a radicalização política.
A politização das forças policiais não é um fenômeno novo e vem sendo discutido há alguns anos. A categoria, ainda que seja complexo analisá-la como algo homogêneo (o que não é), convive com restrições no que diz respeito à possibilidade de se organizar em sindicatos ou fazer greves, o que torna a busca por espaços de contestação e mudanças ainda mais intensa. Essas restrições, no entanto, têm razão de ser: um serviço essencial como o das forças de segurança não pode se dar ao luxo de parar, sob o risco de sua ação levar às cidades e a sociedade ao caos e à violência.
Contudo, até por ser o braço armado do Estado, é que limites claros para o engajamento desses profissionais na política deveriam ser traçados, assim como fazem outros países. Chile, Inglaterra, Portugal e Estados Unidos, por exemplo, têm regras para impedir candidaturas de policiais e militares. Outras carreiras públicas, como juízes e promotores, precisam se exonerar do cargo para concorrer a cargo eletivo. Para os policiais, no entanto, não se faz necessário abandonar a carreira na Polícia para fazê-lo, a não ser que tenha menos de dez anos de serviço. Nas eleições de 2018, para citar um exemplo, 42 membros das forças de segurança foram eleitos para deputado federal. Se assumirmos que as eleições deste ano reproduzam quadro similar, e considerando que 720 policiais e membros das Forças Armadas são candidatos à Câmara dos Deputados, teríamos mais de 650 policiais e militares retornando à caserna em novembro após o fracasso nas urnas. Não se trata aqui, portanto, de analisar a possibilidade de politização das instituições policiais, pois a política já adentrou quartéis e delegacias.
O exemplo mais eloquente do aspecto deletério da radicalização política no meio policial foi o motim da PM no Ceará em fevereiro de 2020, paralisando o trabalho de policiamento ostensivo por treze dias, levando o Estado ao caos e resultando em 312 assassinatos. O movimento foi liderado por Cabo Sabino, ex-deputado que, um ano após o episódio, foi expulso da corporação. Isso se torna ainda mais grave se considerarmos as declarações golpistas do presidente Bolsonaro questionando a segurança das urnas eletrônicas para quarenta embaixadores no mês passado ou seu eterno flerte com as polícias, seja com promessas de aumento salarial para as polícias Federal e Rodoviária Federal (o que não ocorreu, diga-se de passagem), seja pelas promessas de aprovação do excludente de ilicitude, que voltaram à tona nesta semana na convocação para os atos de Sete de Setembro.
A poucos dias do Sete de Setembro, e diante do quadro que se desenha nas urnas com recorde de policiais candidatos quase que exclusivamente por partidos de direita, em um primeiro plano de análise parece que o roteiro do golpe, que passa pela cooptação das forças policiais, tem tido algum sucesso. A radicalização de posições entre policiais e membros das forças armadas não é uma estratégia que passa apenas pela possibilidade de ter esse grupo como base eleitoral, mas principalmente pelo seu engajamento em eventual questionamento sobre o resultado das urnas em outubro, bem como por incutir a ideia de que o movimento golpista seria “legítimo” e que não deve ser reprimido pelos “parceiros de armas”.
No entanto, é irreal assumir que mais de 680 mil agentes das forças de segurança se deixariam levar pelo canto da sereia golpista do presidente. Ainda que parcela deste grupo apoie incondicionalmente o presidente Bolsonaro, é difícil crer em um movimento organizado e institucionalizado entre as polícias de 27 unidades da federação. Policiais são sim um grupo conservador, como têm demonstrado estudos sobre a cultura policial em diferentes países do mundo. Mas o conservadorismo moral e político desse universo não pode e não deve ser confundido com arroubos autoritários. Os bons policiais prezam por hierarquia e disciplina, tão caras ao militarismo. São os maus soldados que planejam explodir bombas, fraudar eleições e não respeitar o resultado das urnas.
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