A influência islandesa nos protestos espanhóis: Hórdur, o precursor
| Edição 65, Fevereiro 2012
Hórdur Torfason mora num apartamento com vista para a baia de Reykjavík. O prédio, no centro histórico da cidade, é bonito, típico da arquitetura vernacular que precedeu os edifícios em vidro e aço dos anos de bonança. Era uma sexta-feira, e àquela altura da manhã já havia chovido, nevado, caído granizo e agora fazia sol, acendendo a neve distante. Hórdur chegara na véspera da Venezuela, onde fora convidado a participar de um debate na Telesur, a televisão criada por Hugo Chávez, onde falaria dos movimentos de ocupação que assolavam o mundo desenvolvido.
Hórdur é um sexagenário que dá esperanças aos que chegam à terceira idade. É alto e ereto, sem qualquer sinal de decadência física. É cantor de baladas, uma espécie de trovador nacional, e na década de 70 desafiou o conservadorismo protestante de uma nação de fazendeiros indo a público para se dizer gay. A pressão foi imensa e por muitos anos ele preferiu viver na Dinamarca.
Em seus retornos esporádicos ao país, começou a perceber as mudanças. Julgo-as vulgares. Ofendeu-o, sobretudo, a mercantilização da cidade.
Em 10 de outubro de 2008, duzentas pessoas exigiam na porta do Banco Central que a diretoria renunciasse. Hórdur tomou o megafone e convenceu a turba que a crise não era financeira. Era política. Nasceram assim os protestos de sábado, na praça do Parlamento. “O fundamental foi a disciplina. Todas as semanas, na mesma hora, no mesmo lugar, independente de haver ou não gente. Outro ponto fundamental para o sucesso dos protestos era ter demandas claras. Nós tínhamos três: a renúncia do governo, a renúncia do conselho diretor do Banco Central, e a renúncia das autoridades responsáveis pela supervisão do sistema financeiro.” Quando as três foram alcançadas em 26 de janeiro de 2009, data da queda do governo de Geir Haarde e Davíd Oddsson, Hórdur saiu de cena.
Em final de maio do ano passado, o telefone tocou. Era uma chamada da Espanha. “Você foi o inventor desse movimento”, ouviu do lado de lá. O interlocutor se referia ao movimento 15 de maio, também chamado de movimento dos indignados. Hórdur já foi duas vezes à Espanha conversar com os manifestantes. Em Madri, Barcelona e Sevilha, admoestou-os: “Sinto falta das reivindicações de vocês. Quais são os seus objetivos?” Não recebeu uma resposta satisfatória.
A imprensa simpática aos manifestos começou a tratá-lo de “valente percursor da revolução silenciosa”, transformando em fato incontestável a hipótese sociológica de que a Islândia havia desmontado as velhas estruturas do poder. A afirmação teria causado controvérsia em casa. Assim que Haarde caiu, dando lugar ao primeiro governo de esquerda da curta história islandesa, Hórdur deixou de participar das manifestações que prosseguiram a reboque de outras demandas. Caiu-lhe imediatamente sobre os ombros a canga de governista, o que considera uma injustiça. “Eu não aderi a esse governo, mas é evidente que precisamos de alguém no comando. As pessoas dizem que nada mudou. A isso, respondo: ‘As previsões de 2008 eram terríveis. Olhem em volta, espiem pela janela: somos ricos, ninguém está passando fome.’”
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