O pássaro abatido
À sombra do pássaro abatido
Subterrâneos da terra d'A Moreninha
Paula Scarpin | Edição 10, Julho 2007
São só vinte e quatro caixas de cimento distribuídas pelo canteiro, à direita de quem entra. Tão modestas, que os mais distraídos podem passar por elas na entrada sem ver, e só se dar conta de que invadiram a casa de seu Aldemírio Encarnação quando chegarem aos fundos. Construído ao lado do cemitério de gente, o cemitério dos pássaros de Paquetá é o único da América Latina, pelas avaliações mais cautelosas, ou o único do mundo, pelas mais ufanistas. Seu Encarnação se alinha com o segundo grupo.
Funcionário público aposentado há onze anos, ele conta que a prefeitura "foi deixando" que ele e um colega morassem ali. Jura que o sobrenome "Encarnação" é mera coincidência. Gosta de morar num dos pontos turísticos da ilha. E cuida do cemitério como se fosse o seu jardim. "Fica até chato não varrer, morando aqui atrás". De vez em quando, aparece um turista, tira fotos ao lado das estátuas de pássaros que ficam entre os pequenos túmulos. "Essa é , triste pela morte da amada", explica, apontando.
Quem chega a Paquetá pela barca da Praça XV é recebido pelo busto do artista plástico Pedro Bruno, o paquetaense mais ilustre. Bruno, "poeta das cores, pássaros e árvores", segundo seu epitáfio, foi o idealizador dos dois cemitérios na rua Joaquim Manoel de Macedo. A rua, evidentemente, homenageia o autor de A Moreninha, o romance que botou a ilha no roteiro literário do século 19.
Seu Encarnação, que já ajudou muita gente a enterrar seus passarinhos ali, não vê problemas no espaço limitado. "Eles viram pó rapidinho", diz. Para provar sua tese, levanta a tampa de uma das tumbas – menores do que caixas de sapatos – e revolve com as mãos a terra. Só restam pedacinhos de ossos. "Aí já dá pra usar de novo", mostra. "Eu não sei como as pessoas ficam sabendo desse cemitério", conta intrigado. "Alguns vêm de longe, até de São Paulo, e trazem os pássaros congelados pra enterrar aqui".
* fotos extra: Roger Lovato
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