Melhor que Tévez
Quando a tietagem em torno de um argentino surpreende
| Edição 13, Outubro 2007
De tanto serem convocados para esperar estrangeiros no aeroporto do Rio de Janeiro, os agentes receptivos Michele e Luis (guia e motorista, respectivamente) automatizaram o processo. Chegam trinta minutos antes do horário previsto para a aterrissagem, estacionam o carro perto dos elevadores, preparam um cartaz com letras garrafais e fincam raízes diante do portão de desembarque até que a pessoa aguardada saia lá de dentro. Costuma ser um trabalho silencioso, de pouquíssimas palavras. Mas, na tarde de 25 de setembro, a rotina saiu dos eixos e os desconcertou.
"Com licença, esse aí do cartaz é o ator?", perguntou um jovem alto que levava a namorada à tiracolo pelo saguão. "É, sim. O argentino", responderam os agentes. "Ai! Nós somos super fãs dele! Podemos esperar aqui com vocês?". "Hum… acho que não tem problema", constestou Michele hesitante frente ao grau de tietagem alheio, enquanto Luis confirmava no telão: o vôo vindo de Buenos Aires acabara de pousar.
Vinte minutos mais tarde, os primeiros passageiros já tocavam seus carrinhos para fora do aeroporto. Ao se deparar com o cartaz que Michele segurava, uma senhora se aproximou e, com um sorriso incomum nos lábios, revelou: "Ele está logo ali, viu? Já deve estar saindo. Fiquem tranqüilos". Sem entender a colaboração, Luis e Michele agradeceram. A senhora deu mais dois passos rumo à rua, se virou e disparou: "É que sentei do lado dele no vôo. É uma gracinha de pessoa!". Depois de se entreolhar, os agentes riram e se voltaram para o casal de fãs ao lado. Abraçados, os jovens emanavam uma ansiedade semelhante à das crianças na noite de Natal. Num determinado momento, seguraram a respiração e acompanharam o homem grisalho, de olhos verdes, calça jeans e camiseta branca se aproximar de Michele. "Oi. Tudo bem? Yo soy Ricardo Darín".
Darín, para quem não curte cinema, é o ator argentino mais badalado da atualidade. Fez um estrondoso sucesso no Brasil com "O filho da noiva" e "Nove rainhas". Naquela tarde, chegava ao Rio para participar do Festival de Cinema e lançar seu novíssimo "La señal", em que, além de ter feito o papel de um detetive à la Humphrey Bogart, assumiu a direção. O casal de fãs tremeu. "Essa é uma chance única! Uma chance única", repetiram baixinho.
A agenda do aguardado ator para aquela noite previa a ida ao lançamento do filme "O homem que desafiou o diabo", que, com ares de festa junina, contaria com a presença dos atores globais Marcos Palmeira, Fernanda Paes Leme e Flávia Alessandra. Darín, que não fazia parte do elenco nem nunca foi ator da Globo, roubou a atenção. Fotos, autógrafos, abraços, tapinhas nas costas e paparicos não faltaram.
Para o dia seguinte, os assessores do ator tinham preparado uma maratona de 25 entrevistas com jornais, revistas e sites brasileiros. Um novo jornalista entraria no quarto de hotel que lhe foi designado a cada 20 minutos, começando às 10h30 e acabando bem depois das 18h. Todos queriam ouvir e ver Darín, mas o argentino foi taxativo e pediu que a lista fosse reduzida a 14 veículos. Encerrou o dia de perguntas e respostas às 16h30, com a piauí.
"Duas perguntas eu respondi mais de dez vezes: se vou continuar dirigindo e que filmes brasileiros vi recentemente", conta aos risos enquanto se joga num sofá com vista para o mar de Copacabana.
"Tive que enrolar em algumas delas, claro. Você sabe como é. Se não fizer isso, fica muito chato". Certa vez, na Espanha, Darín participou de uma maratona de 40 entrevistas seguidas para televisão, mas exigiu que um único cameram gravasse com ele o tempo todo. No quinto jornalista a entrar e fazer a mesma pergunta, começou a modificar absurdamente a resposta. O cameram não se conteve. Riu.
O sol de primavera e o mar visto da janela do hotel convidavam para um mergulho. Darín resolveu passar na Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana. Pediu um pequeno sanduíche de salmão e algumas cervejas. Entre uma garfada e outra, encarou mais da tietagem brasileira.
Lorena e Verena, duas gêmeas de aproximadamente cinqüenta anos de idade e forte sotaque do sul, se aproximaram da mesa em que ele estava com um lápis e dois cartões-postais do Rio de Janeiro nas mãos. De longe, pareciam irmãs de Mia Farrow com sorriso de Bruno Chateaubriand, mas, de perto, eram um pouco mais divertidas.
Darín primeiro brincou com a aliteração provocada pelos nomes Lorena e Verena, depois, confirmou que Verena era com V e registrou no cartão postal dela "un beso". Para Lorena, escreveu "otro beso". "É para não dar problema de ciúmes, sabe?".
Perguntado sobre a possibilidade de ser o argentino mais amado do Brasil, Darín se acanhou, pensou duas vezes e soltou: "Ué, pensei que fosse o Carlitos Tévez, não? Mas, bueno… seria um orgulho assumir esse posto, viu?". E bebeu o último gole de sua cerveja.
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