O convidado
Todos se eriçam com a nova sensação de Nova Iorque
| Edição 21, Junho 2008
"Tá faltando taça de champanhe! Vai lá embaixo no Caetano e pega umas emprestadas!", grita John Lyons, presidente da área de produção da Focus Features, responsável por filmes como O segredo de Brokeback Mountain, 21 gramas e O pianista. "Caetano" não é propriamente uma pessoa, mas um apartamento. No caso, sim, o dele. O local é uma antiga escola no East Village em Nova Iorque, convertida em prédio residencial com apartamentos que vão do escandalosamente enorme ao dois quartos charmoso. Nessa noite, o produtor de cinema e vizinho do cantor está agitado. Daqui a minutos deverá entrar pela porta o homenageado da noite, espalhando atrás de si a fragrância sublime do sucesso. Trata-se do brasileiro Paulo Szot, o barítono de 38 anos, natural de Ribeirão Pires, São Paulo, que tomou de assalto a cidade.
Szot é a estrela do musical South Pacific, o clássico de Rogers & Hammerstein, em cartaz no Lincoln Center, prestigiosíssima sede da Filarmônica de Nova Iorque, do Met Opera e do American Ballet Theatre. O centro cultural ainda abriga um dos teatros mais concorridos da Broadway, o Vivian Beaumont, onde dramaturgos estabelecidos estréiam peças inéditas e musicais clássicos ganham nova reencarnação. É o caso de South Pacific, de 1949, que valeu a seus autores um prêmio Pulitzer e ficou seis anos em cartaz.
A nova produção também não fez feio. Escolhendo a dedo um adjetivo no seu vasto arsenal de superlativos, o crítico do New York Times estampou aos quatro ventos: "Arrebatador!" Se pudesse imprimir o encômio em tinta fosforescente vermelha, imprimiria. O establishment teatral acompanhou o furor e indicou o espetáculo a 11 Tonys, o prêmio máximo do teatro americano. Quinze dias depois do rega-bofe, os Tonys choveriam na horta do espetáculo.
No centro de toda essa glória está Paulo Szot, vencedor do prêmio, na categoria de melhor ator de musical. Na história recente do teatro nova-iorquino, poucos atores tiveram um impacto tão instantâneo. Emile De Becque, o fazendeiro francês que se apaixona por uma enfermeira americana numa ilha da Polinésia durante a Segunda Guerra Mundial, é o seu primeiro papel na Broadway. Até então, o grande publico nunca o vira mais gordo. Agora, dá autógrafos na rua, Hollywood faz convites e o costureiro Valentino disputa com seu rival Tom Ford a primazia de recebê-lo antes em casa.
Dona Mercedes, veterana cozinheira de diplomatas brasileiros em Nova Iorque, derrama calda caramelizada no pudim de leite. Ofegante, a filha Vanda chega do Caetano (o apartamento, não o cantor) com mais seis taças de champanhe. A escolha da sobremesa foi de Paula Lavigne, uma das ex-mulheres mais conhecidas do planeta. Ela explica: "É tão bom que quebra qualquer gelo. Conquistei meus dois últimos namorados com o pudim da Mercedes. "No apartamento de Lyons, muitos nutrem a esperança de que a sobremesa volte a operar o seu feitiço. Szot virá só.
Tudo começou um mês antes, quando o ator saiu faminto de mais uma apresentação. Com o olhar projetado no infinito, suspirou: era banzo de arroz com feijão. Andre Bishop, diretor artístico do Lincoln Center, não pensou duas vezes: ligou para seu amigo John Lyons e juntos começaram a organizar uma noite brasileira em Nova Iorque. A lista de convidados inclui o cônsul do Brasil em Nova Iorque, a eterna Sonia Braga e o ubíquo Vik Muniz. Caetano não pode vir, mas se fez representar pelas taças de champanhe e pela música de fundo.
Cathy Horyn, editora de moda do New York Times, inaugura suas experiências com a caipirinha e acha a beberagem divina. Como a noite é de entusiasmos irrefreáveis, conclui, algo ingênua: "Já entendi porque Narciso e Calvin não saem mais do Rio", referindo-se, evidentemente, aos costureiros Narciso Rodrigues e Calvin Klein. As taças de Caetano ficam largadas num canto, tão desprezadas quanto a garrafa de Veuve Clicquot.
Ao som de trombetas imaginárias, o homenageado chega. Veste um terno bege de finas riscas. Seu queixo forte sustenta um rosto de ângulos pronunciados, encimado por cabelos meticulosamente desalinhados. Szot é discreto, gentil. Um zunzunzum se alastra pelo apartamento: "Eu não fazia idéia que ele era tão bonito!", "Nossa, que porte!", e expressões similares de admiração. Na peça, Szot faz papel de um homem de meia-idade. Nas fotos promocionais, suas feições são as de uma pessoa madura. A aparência jovial causa muito boa impressão. Há muitos sorrisos. Todos estão felizes.
Há dois meses, Paulo Szot (pronuncia-se Chot) era um cantor de ópera em ascensão no circuito internacional. Sua agenda incluía vários bons teatros, mas relativamente poucos do primeiro time. Já havia se apresentado no Liceu de Barcelona e na Opéra de Marseille, mas nunca no La Scala de Milão ou no Covent Garden de Londres. No intervalo de uma apresentação com a companhia Boston Lyric, resolveu tentar a sorte e fazer uma audição para a nova produção de South Pacific. Era um sonho de infância estrelar num musical da Broadway. Chegara a estudar dança em nome de tão ambicioso projeto, até que uma lesão no joelho o fez virar barítono por default.
Ao ouvirem Szot, os produtores souberam que estavam diante de ouro. Não houve dúvida nem hesitação. Entregaram-lhe o principal papel masculino da peça. Contracenou com inúmeras aspirantes ao papel de seu par romântico, a enfermeira americana por quem se apaixona. Dizem que, sem exceção, todas as candidatas choraram ao ouvi-lo cantar a famosa ária do musical, Some Enchanted Evening, o que não deve ter ajudado na concentração. Verdade ou exagero, histórias assim, de bastidor, são as que fazem um mito. Szot chegou lá. Já na estréia, o público veio abaixo. O brasileiro ganhou foto de meia página no NYT, acompanhada de longa reportagem na qual é curiosamente descrito como "seriamente cativante". O musical só iria até julho. Foi estendido até janeiro de 2009. Para conseguir entradas, só terçando armas.
Paulo Szot come moderadamente, bebe apenas água. Observa mais que participa, preocupado em manter a forma para enfrentar a maratona de oito shows por semana. Por fim, na hora da sobremesa ele abre a guarda. Quebra o protocolo, manda a cautela às favas, e se serve de uma segunda fatia de pudim, a qual inunda com doses generosas da calda viscosa. Paula Lavigne estava certa: tomado pelo sentimento de bem-aventurança que lhe trouxe o pudim, Szot se expande. Fala animadamente. Ousa pedir uma taça de champanhe. Quando lhe perguntam se algum outro brasileiro já havia sido estrela na Broadway, responde: "Acho que antes de mim, só a Carmem Miranda."
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