O dia em que Paulo Niemeyer errou o nervo
| Edição 58, Julho 2011
Mesmo sabendo que não seria o personagem central da matéria “Com a Mão na Massa (Cerebral)” , publicada este mês na piauí, Paulo Niemeyer ajudou a reportagem a ter uma compreensão mais abrangente do seu ofício.
Um dos casos que narra com especial gosto, para derrubar logo a áurea de infalibilidade, ocorreu no início de sua carreira. Formado na UFRJ, com pós-graduação na Inglaterra e doutorado na Escola Paulista de Medicina, Niemeyer havia sido convidado a dar uma aula num congresso em São Paulo. A aula versaria sobre uma nova técnica de cirurgia para a nevralgia de trigêmeo, doença que resulta numa dor terrível na face e cuja causa, à época, era pouco conhecida.
Seu relato:
Lá estava eu, então, em plena palestra, com projeção de slides e tudo, apontando para detalhes aqui e ali. De repente, fiquei gelado: observando meus próprios slides na tela, percebi, com terror, que eu tinha operado o nervo errado! Já haviam decorrido 2 ou 3 meses desde a cirurgia mas eu só me dei conta do erro durante a aula que eu mesmo apresentava! Fiquei gelado, deu um frio na mão, certo de que alguém na platéia fosse perceber!
Fiquei doido para acabar a aula. Saí dali direto para a Ponte Aérea, e do Santos Dumont corri para o Pavilhão São João de Deus, na Beneficência Portuguesa, o grande centro de neurocirurgia à época. Foi de lá que telefonei para o paciente lesado. Era um português. Perguntei:
– “Como é que você está?”
– Ai doutor, tá doendo demais, respondeu ele.
Pedi que viesse me ver no dia seguinte. Quando ele apareceu, fui logo explicando:
– Estive estudando o seu caso e precisamos voltar a operar.
Assim fizemos. Ele ficou bom e nunca soube do meu erro. Hoje eu contaria.
Aprendi a ter como política, e passo isso aos meus residentes, que se alguma coisa vai mal nunca esconda: a pior coisa que pode acontecer é o doente desconfiar que você não está dizendo a verdade. Até porque a família sabe que existe o risco. Risco medico é isso, é um conjunto.
Estatisticamente, todos os procedimentos médicos tem complicações. Numa operação de tumor no ouvido, por exemplo, as estatísticas dirão que em 10% ou 12% dos casos ocorre a perda da audição e 5% dos pacientes ficam com paralisia facial. Então quando isso de fato ocorre, não é necessariamente um erro, está dentro da margem estatística de complicação. Nestes casos é difícil separar o erro médico da dificuldade da própria doença.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Recentemente operei um doente de aneurisma. No pós operatório ele acordou com um lado paralisado. Eu ainda estava na sala, decidi anestesiá-lo de novo e reabri tudo para ver se eu tinha feito alguma coisa errada. Se o clipe tinha mudado de posição, se eu tinha me enganado. Vi que estava tudo correto e o fechei novamente.
Chamei a família e relatei tudo. Expliquei que o paciente tinha feito uma isquemia durante o procedimento, talvez relacionado à anestesia. Por sorte, ele acabou se recuperando bem.
Moral da historia: não adianta esconder, a gente tem que resolver.
Acho até que você ganha a confiança da família quando diz a verdade.
“Meu filho, não basta o doente confiar no médico. O médico tem de confiar no paciente”, costumava dizer meu pai. Ele queria dizer o seguinte: se surgir qualquer dificuldade e no meio da cirurgia você decidir cortar o nervo do doente, você não tem como acordá-lo e perguntar se ele concorda.. Você precisa da certeza de que se for necessário cortar ele vai me entender. Você tem de sentir que o doente está fechado com você.
No trauma, ao contrario, você não precisa dessa relação, sequer conhece o doente. Ele chega ali, você opera e acabou. Tudo o que você conseguir é lucro. Se não for possível salvá-lo, é o trauma. É o inverso da situação do doente que entra andando no seu consultório e pode sair sequelado da cirurgia que você vai fazer.
Na verdade, o braço da medicina de que menos gosto é justamente a traumatologia – eu a pratico porque não posso negar atendimento. Mas é horrível. O sofrimento me impressiona muito mais do que abrir a cabeça de um paciente. O doente que vai ter a cabeça aberta está anestesiado, está limpo, com os campos em cima. Agora o doente que chega pisado, sangrando, com dor, traumatizado, aquilo é um horror, um horror. (Niemeyer chega a se retrair na poltrona ao repetir a palavra “horror”).
DESISTIR NA 25ª HORA
Ao longo da minha carreira já desmarquei cirurgias no próprio dia. Em duas ocasiões, desmarquei com o doente internado, já com pré-anestésico. As famílias ficaram inconformadas. ‘Mas como??’. Para ambas foi uma frustração grande e elas foram procurar outros médicos fora do Rio. Nas duas vezes, os doentes acabaram ficando sequelados, um deles hemiplégico. O outro cirurgião pode ter pensado ‘Ah , o Paulo não quis operar? Eu consigo’. Infelizmente os cirurgiões são seres humanos, vaidosos, iguais aos jornalistas e outras profissões. Vaidade de querer se firmar e querer fazer ainda mais se o outro lá diz que não. Decisão difícil .
O motivo de uma eventual desistência é explicável. Digamos que um doente tenha consulta marcada comigo hoje. Ele traz todos os exames e marcamos cirurgia para a semana seguinte. Só que minha concentração maior, hoje, está com o paciente que vou operar amanhã. Hoje não estou preocupado com o caso do consultório, estou preocupado com o caso cirúrgico de amanhã. É na véspera e ante-véspera que vou me aprofundar de verdade no caso de quem veio me ver hoje. Levo os exames dele para casa e estudo cada detalhe que possa ter passado desapercebido no dia da consulta. Pode, então, ocorrer de você perceber que o risco do que você vai fazer é maior do que o da doença.
Conclusão: cirurgia não é só a técnica: é saber o momento de operar, quem é o doente, qual a técnica que você vai usar, e sobretudo, ter a humildade de saber parar. Saber parar pode ser antes da cirurgia, não precisa ser durante. À noite, na véspera do procedimento, eu penso em tudo o que eu posso vir a encontrar. Procuro imaginar o leque de possibilidades. Se eu me deparar com isso, faço o quê? E se for duro? E se sangrar demais? Desta forma, evito ter de decidir algo grande em 2 minutos. Também já deixo aventados os caminhos de como vou fechar – não basta saber abrir. Você tem de abrir de uma maneira que você possa fechar.
OPERAR AMIGOS E VIPS
Só operei alguém muito próximo uma vez, e depois meio que me arrependi. Acho um pouco perigoso. Operei meu irmão de uma hérnia de disco, que é uma bobagem, mas quanta gente não se dá mal com uma simples hérnia de disco! É uma intervenção que exige anestesia geral, tem gente que continua com dor, outro não fica satisfeito… Não sei se eu repetiria porque, se desse alguma infelicidade, seria um drama familiar. Temos um caso conhecido aqui do Rio, de um professor e cirurgião ortopedista, cujo filho quebrou o fêmur e o pai operou. O garoto fez uma infecção e morreu. O pai entrou em depressão horrorosa e acabou morrendo mais cedo do que devia.
O caso de ter pacientes VIP é um capítulo à parte – todo mundo quer ajudar,mas acaba atrapalhando.
Niemeyer retira três folhas de xerox amarfanhadas que estão sempre à mão na estante ao lado de sua mesa, entre as páginas de um livro de fotografias sobre seu tio, Oscar Niemeyer. Foram publicadas há 23 anos no New England Journal of Medecine e usam como exemplo casos de internações de maxi-VIPs como Ronald Reagan e o Papa Paulo II, ambos baleados. Tem por título “Notas Ocasionais- O atendimento emergencial de pacientes VIPs “.
Nos Estados Unidos, a Comissão de Credenciamento de Prestadores de Serviços de Saúde exige que hospitais tenham normas escritas para casos de desastre que, pela sua amplitude, podem tumultuar os protocolos de regra nos departamentos de emergência. De acordo com essa definição, as circunstancias envolvendo a chegada de um paciente VIP frequentemente se enquadram na categoria de desastres “pois apresentam problemas únicos cujas soluções fogem à rotina. De acordo com o artigo, hospitais devem dispor de um “protocolo VIP” a ser seguido com rigor.
Paciente VIP“, diz o artigo,”é aquele que, por força de fama, posição ou pretensão a interesse público, pode desorganizar substancialmente o cuidado médico. Existe algo chamado “Síndrome de VIP” que se aplica quando membros do staff reagem ao poder e influencia e alteram os procedimentos habituais. Muitas vezes o próprio paciente VIP não exige qualquer tratamento diferenciado, mas seu entorno, familiares e assessores acabam acionando um processo que resulta em atendimento abaixo do optimal”.
O artigo é assinado é assinado por 2 médicos do George Washington University Medical Center, o mesmo que atendeu ao presidente Reagan, e recomenda a aplicação de um código hospitalar diferente.
No caso do George Washington,a novidade foi foi apelidada de Código Roxo e inclui parâmetros específicos:
Qual pessoal deve ser notificado?
Em que sequência?
Planos de segurança para o paciente
Quem decide da necessidade de se montar um centro de comando?
Quem o integrará? Com que funções?
Como será a comunicação com imprensa?
Importância de restringir o acesso à emergência. Segundo o artigo, “a internação de um VIP tende a atrair administradores clínicos poderosos, chefes, médicos que gostam de ver e serem vistos, o que cria um ambiente de circo antiético”. Também a “síndrome do chefe” tende a alcançar seu ápice com internação de VIPs, e se manifesta quando médicos veteranos que não operam rotineiramente na emergência intervém de forma não coordenada e atrapalham.
NEUROCIRURGIA NO BRASIL…
“Lembro que quando comecei a acompanhar meu pai, havia apenas dois no Rio, São Paulo tinha um ou dois, 1 em Recife, 1 em Porto Alegre, e só. Hoje somos três mil e a Sociedade de Neurocirurgia Brasileira é a terceira maior do mundo, depois da dos Estados Unidos e do Japão. Os congressos brasileiros adquiriram nível internacional e os brasileiros estão sempre presentes, ativos e apresentando trabalhos.
Ao contrário da cirurgia cardíaca, a neurocirurgia depende muito mais do cirurgião do que de equipamento. Não quero desvalorizar os procedimentos cardíacos, mas eles são mais automáticos. Quando você ouve que um cardiologista faz 10 cirurgias por dia, é viável, por ser uma intervenção mais automática, menos criativa e de decisões menos personalizadas.
A começar pela posição do paciente. Todo doente de cirurgia cardíaca é deitado de barriga para cima. Já o doente neurológico tanto pode precisar ficar sentado, pode precisar ficar de lado, ele pode ter que ser imobilizado a 10 graus, outro acha melhor virar 15 graus – isso tudo faz uma diferença enorme para você alcançar o ponto exato do cérebro onde você quer chegar. É para isso que serve o imobilizador de metal com três parafusos que te permitem fixar a cabeça em qualquer posição. Essa avaliação crucial quem faz é o cirurgião. Tem a escolha da técnica, com cada caso exigindo planejamento específico, muito preciso. Até o ponto de incisão precisa ser planejado, ao contrário da cardíaca, que até um robô poderia fazer.
Isso tudo limita você a fazer 10 cirurgias por dia. Eu faço no máximo duas. Posso até fazer mais, mas na terceira já estarei exausto.
…E NO MUNDO
Todo grande cirurgião cardíaco depende de uma boa instituição. É difícil, por exemplo, você ouvir falar de grandes cirurgiões cardíacos que não sejam do Incor, de São Paulo. Inversamente, todo chefe do Incor será o grande cirurgião cardíaco do Brasil do momento. Quando se menciona Cleveland, por exemplo, você pode não saber o nome de nenhum cirurgião de lá mas você sabe que quer ir para lá, ou para o Incor, se precisar de uma cirurgia cardíaca.
Na neurocirurgia não é assim. Desde que eu me entendo por médico, nunca os maiores centros tiveram os melhores neurocirurgiões.
De fato, até recentemente, a grande e inconteste sumidade mundial era um turco que atuava no hospital universitário de Zurique, na Suíça. Não em Nova York, nem em Chicago, mas na pequena Zurique. Baixinho, atarracado, sobrancelhas espessas, mãos de trabalhador manual, Mahmut Gazi Yasargil estava mais para lutador de catch do que para alguém que em 1999 foi eleito , pelos seus pares, “O Neurocirurgião do Século”.
Um casal carioca que por arte dos tempos da ditadura foi parar na Suíça lembra com exatidão da figura de Yasargil, já todo paramentado, vindo encontrá-los antes de entrar na sala de cirurgia para operar o filho adolescente deles. “Vou fazer tudo o que puder pelo seu filho. Se eu falhar, não me queiram mal – a gente sabe tão pouco!”, disse, com simplicidade. Terminada a cirurgia de dez horas de duração, ainda com a roupa manchada de sangue, foi comunicar ao casal que tudo transcorrera bem.
Yasargil foi obrigado pelas leis suíças a se aposentar aos 65 anos. Hoje, aos 85, continua em atividade nos EUA. Embora em ritmo mais lento, se dedica integralmente ao que sempre fez: estudar, pesquisar, inventar novos instrumentos, aperfeiçoa sua técnica, ter contatos profissionais. Isso dá a dimensão do seu espanto quando visitou o Brasil, quatro décadas atrás:
– "Conheço o seu país", observou ele , "e não entendo bem o que se passa ali com meus colegas: eles me convidam para conhecer suas fazendas – eles criam gado!…"
Paulo Niemeyer passou duas semanas ao lado de Yasargil , ainda no laboratório de Zurique, e aproveita qualquer escapadela do Brasil para fuçar onde está a excelência. A lua-de-mel do primeiro casamento, em Londres, teve de se adequar a esse calendário.
“Disputando com Yasargil”, prossegue Niemeyer, “ havia um canadense chamado Charles Drake que atuava numa cidade chamada London, lá no fim do mundo do Canadá, em Ontario. Figuraça. Ele já morreu, mas foi um divisor de águas na neurocirurgia. Chegavam pessoas do mundo inteiro para se operarem com ele. Antes da cidade inaugurar um aeroporto maior, os pacientes tinham de descer em Toronto e prosseguir num aviãozinho pequeno pois jato não chegava lá. Isso, com os Estados Unidos bombando do outro lado da fronteira, com toda sua tecnologia de ponta e recursos.
Depois veio o iraniano Majid Samii, que chefiou o Instituto Internacional de Neurocirurgia de Hannover, na Alemanha. Samil chegou a presidente da Sociedade Internacional de Neurocirurgiões e ao completar 70 anos foi agraciado pelo então chanceler da Alemanha com o titulo de “Médico Mundial”, honraria concedida pela cidade.
Hoje o nome de ponta da neurocirurgia é um americano, Robert Spetzler. Mas mesmo ele atua num lugar não exatamente glamuroso e mais do que árido. O Barrow Neurological Institute , renomada clínica particular erguida para abrigar Spetzler, está fincada em Phoenix, estado do Arizona.
CORDÃO UMBILICAL
Niemeyer nunca atuou na clínica do pai ilustre. Tampouco a herdou. Permaneceu ao lado do pai nos três primeiros anos de formado, para assimilar conhecimento, e foi começar a carreira numa sala 3 x 3 na clínica São Vicente. Paulo Niemeyer sênior, o consagrado pioneiro da microneurocirurgia no Brasil, deixou de atuar na Santa Casa do Rio de Janeiro quando o filho assumiu o Centro de Neurocirurgia daquele hospital, depois de ter chefiado a unidade da Beneficiência Portuguesa por 20 anos.
“Meu pai era muito sábio nisso, e soube como e quando me cortar o umbigo profissional. Quando eu apresentei minha tese de doutorado sobre nevralgia do trigêmeo, na USP, um dos professores da banca foi um grande neurologista daqui do Rio, Fernando Pompeu. Um mês depois da banca, ele me telefonou contando que ele próprio tinha nevralgia do trigêmeo e pediu que eu o operasse. Fiquei encantado, é claro – afinal, eu tinha “apenas” dez anos de formado , o que em neurocirurgia não é nada.
Contei para meu pai que ia operar o maior nome da neurocirurgia no Rio daquela época e pedi que estivesse presente.
– Vai que dá uma azia qualquer, pelo menos você vai estar lá!”.
– Tudo bem, meu filho , vamos lá.
Ele sentou no canto da sala e eu abri a cabeça do Pompeu. Quando entrei mais fundo encontrei uma situação totalmente inesperada, que eu nunca tinha visto.
– Pai, o que é que eu faço?
– Não sei, o doente é seu , respondeu do canto da sala, e ficou sentado.
Eu saí do campo cirúrgico, fiquei andando pela sala pensando no que fazer; de vez em quando voltava e olhava no microscópio, pensava de novo, até tomar a decisão. Deu certo e o Pompeu nunca mais teve dor.
E eu nunca mais pedi a meu pai para assistir a uma cirurgia minha, concluiu soltando a segunda gargalhada da entrevista.
SANTA CASA
Há duas décadas, Paulo Niemeyer forma 5 alunos por ano. Todos os seus assistentes trabalham com ele há 20 anos e foram seus residentes na Santa Casa, onde dirige o Centro de Neurocirurgia de 50 leitos. Ali, tudo funciona, nunca faltam médicos, não existe greve. Como assim, se a Santa Casa do Rio de Janeiro, que vive do SUS, está inteiramente quebrada?
“Toda minha equipe aqui na clínica São Vicente tem um dia de obrigação na Santa Casa. Tudo que nós usamos lá, desde o material de limpeza até os equipamentos mais caros, sou eu que provejo. Não sou eu que pago o funcionamento do CTI diretamente mas é por meu intermédio. Consegui um contrato com a Vale do Rio Doce que vence dentro de 5 meses, só que agora, com a saída do Roger Agnelli, não sei como vai ser. Esse ano também ganhamos um aparelho de ressonância magnética no valor de R$ 2 milhões de dólares, do Eike Batista, e pudemos comprar um aparelho de tomografia computadorizada e reformar todo o centro cirúrgico graças à herança de uma senhora francesa que doou 3 milhões de dólares.
Isso tudo porque criei uma firma sem fins lucrativos justamente para receber doações – o Centro de Estudos e Pesquisa Paulo Niemeyer. O nome não é uma pavonada para mim, é uma homenagem a meu pai. Todos os doentes que operamos são patrocinados por esse Centro de Estudos. A Santa Casa só dá luz, enfermagem e comida. O restante – medicação, material cirúrgico, lençóis, ar condicionado e o que você quiser mais – é por nossa conta.
No fundo, a Santa Casa funciona carregado pelos médicos. Eu trabalho de graça e todos os da minha equipe também. Ali não tem Geraldo Escara, apelido de um profissional que chegava no hospital, sentava e não se levantava mais até acabar o plantão. A Santa Casa de Porto Alegre chegou ao ponto dos médicos terem de levar comida para os doentes. Foi quando o cardeal de lá interveio (a Santa Casa é subordinada à mitra), demitiu a irmandade e chamou os grandes empresários. Hoje, é o maior hospital do Brasil, com um prédio só de transplantes. Em compensação, o SUS ficou reduzido a uma fraçãozinha.
NOTA FINAL
Uma operação de emergência como a que foi submetido o jornalista Marcos Sá Correa no hospital municipal Miguel Couto seria cirurgia para uns R$ 30 mil reais, ou algo dessa ordem. Não vejo porque um doente que tem Amil, Bradesco ou outro plano com esse tipo de cobertura tem de ser atendido de graça. Os planos deveriam ressarcir. Não há motivo para o hospital público não cobrar – não do doente, é claro, mas do plano. Há dez anos falo isso. O serviço público poderia funcionar melhor e haveria uma motivação maior da equipe médica. O médico poderia ganhar a vida e fazer carreira num só lugar, não precisaria ter 10 plantões. Ele poderia passar o dia no mesmo hospital, se especializar, teria maior carinho por aquele lugar, passaria a defender a instituição. Seria uma maneira de valorizar o hospital, o corpo clínico, de prender o médico no hospital e do hospital ter verba maior.
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