Registros aguados
Há mais de 30 anos, uma aquarelista registra a construção de todas as linhas do metrô paulistano
Fernando Serapião | Edição 20, Maio 2008
"Zuuuuuuuuum…". O ruído contínuo do motor é indispensável: ele permite que os operários trabalhem sem equipamentos de oxigênio individuais, pois retira ar da atmosfera e o bombeia em dutos de plástico até o fim dos extensos túneis em escavação. O desconforto do barulho é amenizado pelo protetor auricular obrigatório. Além dele, todos ali usam capacetes coloridos (os tons indicam as ocupações), galochas e máscara de proteção. O odor da terra, à 30 metros abaixo do nível da rua, é estranho mas não chega a incomodar. Poças de lama acinzentada, com até três centímetros de profundidade, cobrem o chão. Não dá para saber se o piso é de terra batida ou cimentado enlameado. O túnel curvo de concreto é úmido; em alguns pontos, a água escorre sem parar. A iluminação é artificial, com potentes holofotes.
Longe da frente de trabalho, não há muito movimento. Primeiro, passa um operário andando, levando um teodolito nas costas. O trânsito maior é de caminhões Mercedes, que carregam a terra escavada em caçambas. De um lado do túnel, a cerca de 350 metros de distância no sentido Vila Sônia, estão dezenas de operários trabalhando; na direção oposta, sentido Pinheiros, o túnel com outros 350 metros leva a boca do poço da avenida Valdemar Ferreira – aquela que liga o Jockey Club à USP. É por esse vão que a terra sobe. Quando a obra terminar, o buraco será um duto de ventilação e saída de emergência. Os operários estão prolongando o túnel ovalado de 10 metros diâmetros onde irão circular os trêns do metrô. O shield, popularmente conhecido como ‘tatuzão’, não foi utilizado neste trecho. Ali, o escolhido é o metodo NATM (New Austrian Tunnelling Method), que consiste em escavar utilizando concreto projetado como suporte, associado a outros elementos como formas metálicas e chumbadores.
Diana nunca frequentou o circuito artístico de São Paulo. Não tem marchand e são poucos os trabalhos vendidos para coleções particulares. Mesmo assim, vive de sua arte. "Aprendi com meu pai a ter uma vida sem luxo", desvenda. Há 36 anos ela enxerga beleza onde, em geral, os outros percebem só o incomodo de uma obra de grande porte: desde janeiro de 1972, ela documenta a construção das linhas do subterrâneo de São Paulo. Atualmente, por contrato firmado com a Companhia do Metropolitano de São Paulo – empresa pública administrada pelo Governo do Estado -, ela produz quatro trabalhos por mês. Dois são da Linha 2 (trecho que ligará a Vila Mariana à Vila Prudente) e os outros, da Linha 4 (que vai ligar a Luz à Vila Sônia), dois únicos trechos atualmente em expansão.
Na primeira metade do mês, ela desenha; na segunda, escreve as croniquetas que acompanham cada imagem. No canteiro de obra, a rotina estabelecida por ela é rígida: na superfície ou embaixo dela, Diana acompanha o passo-a-passo da construção, desde o início, com a preparação do canteiro, a abertura dos grandes poços, o trabalho do shield, as concretagens, etc etc, até o dia da inauguração. "Meu escopo é documentar a evolução da obra", define. Como as construções são simultâneas, para não perder o contole, a artista dispõe de dois fichários, um para cada linha. Organizado por estação, os fichários contém informações a respeito do estágio de cada obra, alimentadas por telefonemas que ela dá para os canteiros de obras. Assim, por exemplo, ela sabe quando será a concretagem da cambota da estação Higienópolis – seja lá o que isso for. Numa manhã de fevereiro passado, por exemplo, ela estava na Linha 4, embaixo do que será a futura estação Butantã, junto a avenida Doutor Vital Brasil. Depois de confirmar informações com o engenheiro-chefe do canteiro no barracão de obra – na verdade, uma antiga casa desapropriada que será em breve demolida -, ela segue para o trabalho. Apesar da proximidade do poço da Vital Brasil (com 35 metros de diâmetro, muito mais largo e impressionante do que o da Valdemar), Diana é aconselhada a descer pelo poço mais estreito. "Lá o elevador desce direto. Aqui, tem um grande trecho em escada. A senhora anda mais em cima e em baixo, mas é mais confortável e seguro", diz Ken-Ito, jovem engenheiro que foi escalado para acompanhá-la nesta manhã. "Já que ninguém me ofereceu café, eu mesma vou pegar", ela brinca com os engenheiros do barracão. Por onde ela passa, todos sorriem. Ela pára, conversa com alguém que reconhece, lembra histórias e todos riem.
Lá embaixo, após escolher o ângulo que iria desenhar, Diana se ajeita numa cadeira preta, destas que lembram repartição pública – sem rodinha, com pés de aço e assento de corvin. O material de pintura, trazido de casa em malas e pastas com o auxílio de um carrinho (do tipo que as crianças carregam mochilas escolares) é apoiado em outra cadeira trazida por um operário. Além da pasta verde de plástico, tamanho A3, ela carrega quatro malas pequenas, surradas, tipo promocional, cada uma de um tamanho e modelo. Três são na cor azul marinho e a outra, preta. Preta também é a bota de borracha. O restante da vestimenta – calça canelada poída e camiseta – também é azul marinho. Por cima de tudo, uma camisa de manga curta, com padrão xadrez nas cores branco, vermelho e adivinhem? Claro, azul marinho. A persistência cromática do vestuário já lhe rendeu apelido. Quem conta é ela: "quando eu dava aulas de pintura, um aluno me chamava de ‘teacher in blue’. Na verdade, eu adotei como uniforme para trabalhar nos canteiros de obra". Na cabeça, um capacete laranja – que identifica os visitantes – com o símbolo azul marinho da companhia. No pescoço, um crachá, que também vem de casa, e uma pequena pochete, onde estão documentos, o celular e um maço de cigarro.
Enquanto Diana se prepara, um caminhão passa ao seu lado levando a terra. Sem problema: o túnel tem mais de 10 metros de largura. Ela aponta com estilete um palitos de madeira – destes de espetinho -, que ela usa como pena para desenhar com nanquim. Tira-os de um envelhecido estojo de metal infantil – com estampa do Piu-piu. Prepara o nanquim, colocando o pote dentro de outro maior, para não virar. Depois, retira de dentro da pasta verde o bloco de canson, protegido por um saco plástico. Com o auxílio de pregadores metálicos, fixa uma folha numa plataforma rígida, que fará às vezes de cavalete. São quatro os pregadores, um para cada ponta; quando está colocando o último, ele cai no meio da lama. Kem-Iti abaixa-se para ajudá-lá. Afinal, Diana tem quase 80 anos. Com destreza, ela retira o objeto do barro, limpa na calça e continua seus afazeres: apoia a prancha no colo, segura com a mão esquerda e desenha com a direita. Chega um geólogo, vindo da frente de trabalho e conversa com Kem-Iti. A cada 80 centímetros de escavação, o geólogo informa a equipe a condição do solo.
Diana olha para o ângulo escolhido e decide se o desenho será horizontal ou vertical. Fecha um olho – azul claro, escondido atrás dos óculos de grau – estica a mão, mede a proporção e começa a fazer os primeiros traços com nanquim. Passa outro caminhão. Concentrada no trabalho, nem percebe o vai-e-vem dos enormes veículos, que retornam de ré mais de 700 metros. Passam mais dois operários andando no sentido da escavação. Um deles, depois de passar, pára a 10 metros e observa a artista por alguns instantes. Lembro-me que ela havia dito que não gosta de ser observada enquanto trabalha. Em uma das croniquetas que acompanham os desenho – textos curtos, de um parágrafo, quase um diário – ela fala sobre o assunto. Trata-se, mais exatamente do texto que acompanha a aquarela 3320 (todas são assinadas e numeradas, e possuem também legenda, data, local etc), que foi realizada na mesma estação Butantã em 8 de agosto passado. Diz o texto: "hoje comecei a me inquietar: alguém na obra me olhava fixamente. Tento não me influenciar. Em vão. Seu vulto, e olhos fixos em mim durante muito tempo, incomodavam. Então, sou eu agora que o encaro fixamente, mas ele não se intimida. E como poderia?! Como poderia um boneco, postado na porta de uma guarita, vestido com trajes de obra, com botas, capacete, luvas, com protetor de ruído, óculos de proteção, etc., se intimidar?!".
Passa outro caminhão. Ela segue usando o nanquim, que enxuga o excesso em uma toalha que põe no colo. Às vezes, deita o espeto de madeira para o traço ganhar espessura, se assemelhando ao efeito da pintura à carvão. O caminhão volta em nossa direção, soando o alarme sonoro típico da marcha ré. Estamos à esquerda dele, do lado oposto ao motorista. Com relativa apreenção, Kem-Iti, que trás no peito um X fosforescente, se coloca à frente de Diana. Em seguida, gesticula com os braços para que o condutor o enxergue. A ação parece não surgir efeito: o caminhão se aproxima, vem vindo e… passa a 20 centímetros de Diana. O engenheiro balança a cabeça com indignação. "Que cara maluco", diz. Pouco depois, alheia ao que acontece envolta, Diana termina os traços de nanquim e prepara-se para usar a aquarela. "Quando há só tom de concreto, não uso cores", diz. Quando percebe que Kem-Iti a está fotografando, ela pega o espelho para ajeitar o cabelo. "Essa caixa de pintura me acompanha há mais de 40 anos", diz. Abre a caixinha carcomida pelo tempo, e começa a colorir o canson com um pincel de cerdas grossas. De um lado, ficam as cores quentes; do outro, as frias, cada qual com seu pote de água. "Como, às vezes, pinto quase no escuro é importante que eu saiba onde estão as cores", explica. Terminado o desenho – como sempre, finalizado na obra – ela recolhe o material. Caminha segurando o trabalho com as duas mãos, como quem segura um bolo de aniverário, enquanto o engenheiro empurra o carrinho com dificuldade. Depois de alguns metros atolando no barro, ele desiste de empurrar e o carrega nas costas. Desviando as poças, são 350 metros até chegar de volta ao elevador do poço da Valdemar Ferreira. Com um telefone fixo, Kem-Iti avisa que vai subir. Todos entram no elevador com alguns operários em trânsito. Um tranco e 35 segundos mais tarde, finalmente, o nível da rua.
Com 40 anos, Diana formou-se na escola de Belas Artes em 1964. Antes, fez curso de auxiliar de escritório na Escola Álvares Penteado. "Para meu pai, era importante que eu tivesse uma profissão, que soubesse fazer alguma coisa. Assim, ele me orientou a ter outra formação além da Belas Artes", relembra. Por pouco tempo, chegou a trabalhar como secretária. A década de 1960 foi o apogeu na arte pop. Depois surgiu a arte sinética, performances, instalações e milhões de outras vanguardas. Ela, porém, nunca pensou em deixar a pintura figurativa. De origem hebraica sefaradi, os pais de Diana nasceram na Turquia. "As duas famílias frequentavam a mesma sinagoga", diz. O núcleo materno morava em bairro armênio num povoado próximo ao porto de Smirna, às margens do Mediterrâneo.
Em 1917, a casa deles foi saqueada e queimada em meio ao genocídio armênio. "Ironicamente, eles foram poupados por que eram judeus", reflete. A esta altura, Arnaldo, seu pai, depois de um estada em Paris, já estava no Brasil. Chegou por aqui em 1913 e foi desbravar o sertão do Mato Grosso. Fez de tudo um pouco: "trabalhou com gado" e até mesmo documentou com fotografias a construção da ferrovia que liga São Paulo à Mato Grosso. "Ele estava a serviço da Mogiana do Brasil, registrando a execução de pontes e outras coisas", conta: "é curioso, pois ele fotografa a construção da estrada de ferro e eu pinto o metrô", observa. Mas curioso ainda são algumas aquarelas de Diana, em que ela parece discecar os equipamentos usados pelo metrô, tal como faziam os aquarelistas com plantas e animais, nas missão do Barão de Von Langsdorff. Mesmo no Egito, a família materna não perdeu o contato com Arnaldo, pois ele era muito amigo de um irmão de Sarah, mãe de Diana. "Eles haviam estudado juntos". Numa das correspondências, Arnaldo recebe uma foto da família amiga e se apaixona por Sarah. Dezenas de cartas depois, estavam namorando. Em 1924, Sarah desembarcou no Brasil para se casar. Estava acompanhada do pai, que logo retornou para o Egito. O casal mudou-se para São Paulo e Arnaldo abriu um comércio na rua do Carmo, a Tabacaria Danon. Dois anos antes de Diana, tiveram Negrete, sua única irmã.
O prédio é da década de 1950 e foi desenhado por Gregori Warchavchik – arquiteto russo formado em Roma, que introduziu a arquitetura moderna no Brasil. Sem o mesmo interesse das precursoras casas brancas da Vila Mariana e do Pacaembu, o edifício dos Campos Elísios – bairro da região central de São Paulo -, possui feição protomoderna tardia. Com certo charme decadente, os espaços generosos da circulação do térreo, com altas colunas, lembram o otimismo do nosso passado recente. Para chegar ao 18° andar, são necessários 36 segundos no vagaroso e escuro elevador. Lá em cima, o hall tem duas portas: a da direita, é a entrada do imóvel de Diana, à esquerda, a de Negrete. Elas moram ali há 40 anos. "Antes, alugávamos um apartamento no 1° andar; depois, surgiu a oportunidade e compramos um, depois o outro", conta. O apartamento de Negrete, funcionária pública aposentada, tem disposição convencional. Na sala, o sofá é o móvel mais novo, mas tem mais de 15 anos; o restante, é dos anos de 1960. No piso, um carpete creme. Na parede, alguns trabalhos de Diana e fotos antigas.
O apartamento da aquarelista, por sua vez, não há propriamente uma sala, sala de jantar, cozinha etc. Parece um grande relicário. De composição mais labiríntica, ele é repleto de livros, quadros, recortes, fotos antigas e bibelôs em todos os ambientes. Logo na entrada, naquilo que seria a sala de visitas, fica todo o equipamento que usa no canteiro: carrinho, capa de chuva, guarda-sol, bota, as malas etc. Estava tudo muito arrumado, como se fosse uma espécie de "Museu do Equipamento que a Artista Usa no Canteiro". Pergunto se está daquele jeito pois ela sabia da minha visita: "não, fica sempre assim", responde-me intrigada. Na sequência, um pequeno cômodo é repleto de livros e estantes que guardam os trabalhos. Espremida, junto a janela, há uma cama. Parece um escritório ou biblioteca. "Durmo aqui", ela responde quando pergunto para que usava aquela cama. O maior dos ambientes, o que naturalmente seria destinado ao quarto principal, é ocupado pelo ateliê. Ao invés da cama de casal – que deve ocupar aquele lugar na maioria dos apartamentos do prédio – há uma mesa quadrada de 2,5 metros de lado. Sobre ela, estão, milimetricamente arrumados, papéis, pastas, calendários, trabalhos, fotografias e mil coisas mais. Entre as fotos dos familiares, reconheço o retrato de Hans Gunter Flieg, um fotógrafo de origem alemã, radicado em São Paulo. Entrevistei-o há três anos. Na ocasião, ele me falou de Diana. Mais tarde, pergunto a ela sobre o relacionamento deles – "é um grande amigo", desconversa. Na mesa, há também um computador, com um ano e meio de uso. As paredes são tomadas por estantes com livros, recortes, fotografias, pedaços de tijolos e cerâmicas antigas, folhas secas, diários de trabalhos (que faz desde 1966) e outras lembranças. Numa das paredes, um mural com mapa do metrô, recortes de jornais, fotos de Diana no canteiro do metrô. No arquivo de ferro, há centenas de aquarelas. "No último dia do mês, entrego os quatro originais no escritório central no Metrô, que fica na rua Boa Vista, no centro. Lá os trabalhos são arquivados", diz Diana, novamente toda vestida de azul marinho, mostrando-me os originais de fereveiro, prestes a serem levados.
Junto a entrada dos apartamentos, uma porta os interliga: "depois que a Negretinha ficou viúva, mandamos abri-la para facilitar a comunicação", sussura. Antes disso, só havia uma passagem pela varanda ou saindo e entrando, através do hall do elevador. O vazio da Barra Funda permite que a vista vá longe. Vê-se o trecho entre o centro da cidade e a zona norte, limitada ao fundo pela serra da Mantiqueira. "Já pintou?", aponto para a paisagem. "Já, já fiz tudo". Mas tarde, quando Diana vai buscar um copo na cozinha, enquanto falamos da vista, Negrete diz baixinho: "ela desce a 30, 40 metros de profundidade no metrô, mas quando dá aquelas tempestades aqui, ela pede para fechar as cortinas. Morre de medo…", faz cara compreensão. No mesmo instante do acidente no poço de Pinheiros – no início de 2007 – cujo desmoronamento das paredes lateriais do poço abriu uma enorme cratera que engoliu uma rua e deixou sete mortos, Diana estava tranquilamente registrando a futura estação Butantã, ou seja, muito próximo. Pergunto se ela pintou o desastre: "pintei aquele poço antes do ocorrido. Depois, nunca mais voltei lá. Nem tenho vontade de pintar. Nunca comentei esse assunto com ninguém do Metrô – e eles também nunca falaram nada comigo a respeito."
"O cerne do meu trabalho é pesquisar: tenho curiosidade", define. Diana não faz trabalhos isolados. Sua obra é composta por séries, que se organizam por temas. "Quando algum tema me fascina, me organizo e faço um plano de trabalho", diz. "Quando saí da escola, fiquei dois anos fazendo o acadêmico – naturezas mortas etc. Usava também o óleo. Mas ai, não sei o que aconteceu, que a rua me chamou: comecei em 1966 a pintar favelas, depósitos de ferro velho etc", conta. "Logo, tive vontade de ir a Ouro Preto, que não conheço até hoje! Mas, a minha família não me aconselhou a sair de São Paulo – vivíamos tempos conturbados -", diz baixino. "Não vi vantagem em deixá-los preocupados", rememora. Com a ausênsia das construções religiosas mineiras, começou a pintar as igrejas de São Paulo. "Uma vez, eu estava me preparando para pintar uma igreja perto do quartel do parque Dom Pedro II, no centro da cidade, e uns militares vieram me interpelar. Fiquei apavorada, disse que era artista plástica, e que estava pintando a igreja etc, e eles disseram: ‘então mostra o trabalho’, mas eu não havia iniciado! Cheguei ao ponto de dizer: ‘sou sócia do Tietê!’ – o clube de regatas – como se isso me abonasse", se diverte.
"Eu não saberia dizer o que eu iria fazer com aquele material, com aquelas igrejas todas, foi uma necessidade". O fato é que as igrejas paulistanas retratadas foram publicadas em álbum pela Edusp. "Na época, o reitor da USP era Miguel Reali, e eu, na maior inocência, liguei para casa dele – sem conhecê-lo! – com o objetivo de mostrar meu trabalho. Quem atendeu foi a mulher dele, e eu expliquei o que queria. Ela me disse que me ligaria mais tarde. Em seguida, me ligou falando para eu ir a Edusp, procurar o editor para que ele pudesse avaliar o trabalho", conta. "Ficamos amigos até a morte deles". Em seguida, percebendo que a cidade estava se transformando – "estava sendo tudo demolido" – passou a pintar os prédios construídos entre fins do século 19 e início do 20. "Tenho centenas de trabalhos desta série, toda a avenida Paulista, os Campos Elysios etc", diz. "Acabei escolhendo a aquarela pela urgência que tinha em pintar aquelas coisas desaparecendo. Ao contrário do óleo, ela seca rapidamente e eu fazia até 20 trabalhos em um dia", justifica. Esse segundo tema também foi registrado em álbum pela Edusp.
Depois das igrejas e das construções da Belle Époque, foram muitas as séries: o início do modernismo em São Paulo ("Warchavchik, Rino Levi etc, arquitetura e objetos, que estão na biblioteca Mário de Andrade"), o artesanato do Vale do Paraíba, a Santa Casa de São Paulo ("quando meu cunhado ficou doente"), fazendas do interior de São Paulo, pantanal, edifícios tombados etc. Mas o trabalho preferido é o do metrô. Individualmente, ela não tem uma aquarela preferida – dá valor a série. Começou a epopéia com a Linha 1, na época chamada de Norte-sul. "Um dia, estava indo para uma vernissage e passei pela avenida Vergueiro. Percebi a enorme movimentação e resolvi espiar. Estava acostumada a pintar tudo parado e quando cheguei perto, vi que os ângulos interessantes mudavam a todo tempo. Logo pensei: preciso desenhar isso", fui pedir permissão para desenhar. Diana tinha 45 anos: "um dia, depois de alguns anos do início das obras, apareceu uma senhora querendo desenhar a construção", relata Plínio Assman, na época presidente do Metrô. "Eu disse: ‘não dá! Você pode atrapalhar, é perigoso etc etc’, mas ela insistiu. ‘Não se preocupe com a minha segurança, eu não vou atrapalhar’, argumentou. E eu disse, tentando minha última cartada: ‘tem mais, mulher no túnel dá azar!", relembra Assman, gargalhando. "Mas ela insistiu tanto, que permitimos e depois publicamos um livro", confirma. "Ela ainda está pintando?", pergunta o ex-presidente, há 30 anos afastado da companhia e hoje consultor da área. "Que maravilha!", surpreende-se com a resposta.
A fascinação com a construção do metrô levou Diana a outros canteiros: desenhou a construção de todas as hidrelétricas da Cesp no rio Tietê e a construção de Itaipú -"comprei metade deste apartamento com o dinheiro que recebi". Quando lembra da hidrelétrica binacional, os olhos brilham: "ainda é a maior do mundo", diz orgulosa. "Vai ser ultrapassada pela chinesa, das três gargantas, linda. mas não vai produzir tantos kilowatts quanto Itaipu", garante. Assim como os trabalhos para o metrô, a documentação ficou toda com Itaipu. "Espero que esteja tudo bem: uma vez tentei localizá-las, mas não encontrei", diz com tom de desespero. "Quando fiz Itaipú, entre 1978 e 1982, passava 15 dias lá – eles pagavam a viagem e estadia – e 15 dias aqui, fazendo a Leste-oeste", recorda.
Na construção da Linha 2 (antiga Leste-oeste), Assman chamou Diana e fez um contrato de trabalho, semelhante ao de hoje. De lá para cá, só pára quando a expansão também estaciona. Fez também outras séries ligadas ao transporte – como uma linha de trêns da CPTM, e foi contratada pela Mafersa para desenhar os veículos fabricados pela empresa – de metrô e trêm. "Uma vez, ela estava eufórica, por causa da chegada de um novo e moderno shield. Ficou falando o mês todo do tal do shield: era shield para lá, shield para cá. Eu não aguentava mais. Na época, eu ainda guiava, e ela me fez ir até Santos, para acompanhar o desembarque do shield!", conta Negrete. E que fim levou o querido shield, pergunto a Diana: "sabe que eu não sei", diz. "Ela estava sempre acompanhada da irmã", relembra o ex-presidente do metrô. Diana nunca casou e, como Negrete, não teve filhos. "Depois da morte de minha mãe, meu pai ficou muito doente e fiquei cuidando dele. Não me arrependo. Fiquei dez anos com ele, aplicando injecções, dormindo ao lado dele, sozinha", rememora.
Na época da Linha Norte-sul, ela visitava a cada dia da semana um trecho em execução: "eu atravessava a cidade toda de ônibus", diz, com tom de cansaço. "Levava tudo na mão, sem carrinho!". Hoje, permite-se um luxo: vai trabalhar de taxi. Há cinco anos, o motorista é o mesmo. Logo cedo, quando ele apanha Diana, ela já está vestida à caráter, de capacete e tudo. Pára o carro, uma Pálio Weekend, e rapidamente coloca o material no porta-mala. "Quando estamos indo para a obra, ela vai calada", relata Osmar, o taxista – "mas na volta, é mais falante". No meio do caminho, ela acende um cigarro, que pouco traga – as cinzas ficam compridas. Pouco antes de chegar a obra, retoca o batom rosa claro e penteia o cabelo grisalho e ondulado, que sobra por trás do capacete. Na volta, Osmar retira plásticos pretos para colocar no chão do carro e no porta-mala. Novamente, o equipemento vai atrás. Menos o desenho recém realizado, que continua em sua mão como se fosse um bebê de colo. Ela entra no carro. Com o desenho no colo, livra as mãos e penteia o cabelo, ainda com capacete. "Não vai tirá-lo?", pergunto. "Ah, não! Senão o cabelo fica todo bagunçado", diz. Alguns quarteirões adiante, depois de avisar pelo celular a irmã que já está a caminho, pega novamente o espelho e retoca o batom, agora com a mão toda suja de nanquim. "Meu trabalho é resultado das minhas andanças", diz. "São Paulo me absorve tanto…", suspira.
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