Sabadão no Rio
Ao contrário de você, Catherine Zeta-Jones sabe o que é triskaidekaphobia
Daniela Pinheiro | Edição 11, Agosto 2007
Numa fresca noite de sábado, no salão de festas nos fundos da Igreja Anglicana do Rio de Janeiro, uma única questão ocupava a mente das 160 pessoas agrupadas em volta de mesas precisando de calço: "O que é triskaidekaphobia?".
Cinco senhores rosados e grisalhos e uma senhora de cabelos castanhos e óculos de grau curvaram a espinha e aproximaram as cabeças para cochichar. No centro da mesa, um papel identificava o nome da equipe: Está na Ponta da Língua, ou melhor, It’s on the Tip of my Tongue. A duas mesas dali, o pessoal do Hibs F. C. Are Magic – do qual faz parte o correspondente da revista Time, Andrew Downie – gesticulava freneticamente. Downie trajava um lençol branco com uma ponta atirada por cima do ombro e trazia a cabeça cingida por uma coroa de louros feita em cartolina verde. Imaginava-se um romano.
Enquanto isso, os representantes diretos da velha Hibernia – o nome romano da Irlanda – também se entregavam ao frenesi na mesa dos Up the Irish. "Easy, easy, easy!", gritava uma morena voluptuosa que alguém achou meio parecida com a atriz Catherine Zeta-Jones. Seu rosto estava levemente corado pelo consumo industrial de cerveja. Exclamava "Easy", no sentido de "Essa é fácil", com um ar petulante de primeira aluna da classe. Só mais tarde ficaria claro se era pretensão alcoólica ou sabedoria.
A Rio Quiz Night há vinte anos embala os sábados de britânicos (a maioria), americanos, holandeses, franceses e congêneres que se expatriaram na cidade. Na última edição, brasileiros, como sempre eram poucos. Fala-se só em inglês e bebe-se como pregam os bons modos de cada país natal. Uma vez por ano, cerca de vinte equipes se reúnem durante cinco horas para uma espécie de bingo de perguntas regado a cerveja Skol, vinho argentino e pizza do Mister Pizza, pagos por fora. "Deve ser o programa mais careta que acontece no Rio num sábado à noite, mas não dá pra dizer que a gente não se diverte", explica-se o roteirista Fabiano Maciel, o único brasileiro do Hibs F. C, que conheceu os gringos do seu time num bar. Ele substituía o jornalista Larry Rohter, correspondente do New York Times, participante assíduo do evento, ausente este ano por culpa do papa, a quem seguia Brasil afora.
"Qual o nome do rancho da família Ewing no seriado Dallas?"
Como o evento tem selo de origem britânica, funciona com precisão de relógio suíço. Às 19h26, um dos organizadores avisou: "Faltam quatro minutos". A Quiz Night começa pontualmente às 19h30, ao som de uma trilha sonora parecida com a do seriado Batman. É uma hora que pode assustar os não-iniciados, pela estranheza. As luzes são apagadas e todas as atenções se concentram no palco. Surge um sujeito vestido de Forrest Gump (cabelo cortado à escovinha, terno creme e camisa quadriculada), acompanhado de um colega que simula ler um jornal. "A Quiz Night é como uma caixa de chocolate", anuncia Forrest Gump, em inglês, parafraseando o personagem do filme: "Você nunca sabe o que vai encontrar lá dentro!". E emenda, ainda na tecla SAP: "Eu adoro fazer perguntas". E pronto, fim do teatrinho: os atletas acabam de ser apresentados ao perguntador oficial da noite – um executivo inglês, sócio da empresa de auditoria KPMG, de matriz suíça.
"Quem foi a primeira pessoa que morreu na Bíblia?"
São cinco séries de quinze perguntas. Começa-se com ciências e prossegue-se com esporte, arte, música, história e geografia, chegando-se, por último, aos conhecimentos gerais. As equipes recebem uma folha numerada de 1 a 15, nas quais devem anotar as respostas. Consultas externas são terminantemente proibidas. Celulares devem permanecer desligados, sob risco de desclassificação e, pior, desonra. A cada rodada, sai um vencedor. Os prêmios são etílicos: uma garrafa de Bacardi Oro ou um engradado pequeno de cerveja Primus. O time campeão da noite é aquele que se sai melhor nas cinco etapas. Além de mais bebida, o primeirão leva também uma taça dourada.
"Qual a peça de Shakespeare que tem o nome de uma cidade britânica no titulo?"
Às 20h20, As Panteras comemoram a vitória na primeira rodada. São recatadas, abraçam-se cordialmente. O time com mais brasileiros, cinco, o Mouse Killers Touched The Queen, ou, na língua nativa, Exterminadores de Rato Tocaram a Rainha, ficou lá pela décima posição. Vestem capacete de operário e camiseta estampada com o rosto da rainha Elizabeth. "A gente se diverte o ano todo estudando para a Quiz Night. Lemos enciclopédia e fazemos pesquisas na internet", conta a bióloga Eleonora Kurtenbach, ao lado do marido, com quem morou três anos na Inglaterra.
"O que é um nilômetro?"
As regras do jogo são claras e estão listadas numa folha avulsa distribuída a todos: "Nossas respostas são corretas. Não adianta reclamar", informa severamente o papel.
"Que esporte foi inventado numa ACM de Massachusetts?"
O Namibians Last Stand é composto basicamente por professores da Escola Britânica. Eles improvisaram uma fantasia africana com panos amarrados no corpo, turbante saliente e dramáticos colares em forma de amuleto. Ninguém é obrigado a ir fantasiado, mas os Namibians faturaram uma garrafa de uísque pelo empenho.
"Onde o Titanic foi construído?".
"Easy, easy, easy!", gritou, cada vez mais petulante – agora batia palmas -Catherine Zeta-Jones.
Para participar da Quiz Night, cada jogador paga 22 reais. O objetivo original da competição era custear as equipes de rúgbi e críquete de cidadãos britânicos radicados na cidade. Como esses times foram para o beleléu, o dinheiro passou a ser doado para alguma instituição de caridade. "Uma noite chega a render até 3 000 reais", informa o escocês Adam Reid, um dos organizadores do evento, proprietário de uma escola de inglês para executivos. Ao longo do ano, o Quiz Night Committee – formado por cinco britânicos de bermudas – recolhe informações no Google, na Wikipedia e em livros ingleses de quizzes para preparar as perguntas. Reid conheceu sua mulher numa quiz night, há treze anos.
"Quais são os três estados americanos que começam com a letra O?"
Às 22 horas, os ânimos parecem mais exaltados. Ainda assim, a maior transgressão são bolinhas de papel voando pelo salão. Vez por outra, alguém grita (quase sempre a voluptuosa do Up the Irish, que, a essa altura, migrou para rum com Coca-Cola): "Hibs are shit!" – "Hibs são", digamos, "uns idiotas". "Uuuuhhhhhhhhh", devolve alguém perto da mesa do Living la Vaca Loca.
"Que doença é chamada de mal-francês pelos ingleses e de mal-inglês pelos franceses?"
A meia hora do final, as meninas do Mister Pizza começam a cobrar a fatura. "Gringo sempre dá gorjeta", confidencia uma delas. É anunciado o resultado. O Hibs F.C Are Magic é o grande campeão. Assobios e palmas educadas. Eles acertaram 65 das 75 perguntas. Orgulhosos, sobem ao palco e, juntos, erguem a taça. Pose para fotografias. Saldo da noite: 600 latas de cerveja, cem pizzas (predominância de calabresa), vinte garrafas de vinho. No salão, os convivas começam a se despedir. Do lado de fora, Catherine Zeta-Jones, suada, de maquiagem borrada e olhar trôpego, chora abraçada a Richard, um amigo de seu grupo. A próxima, só daqui a um ano.
A propósito, trikaideskaphobia é fobia do número 13; o rancho dos Ewing é o Southfork; o primeiro a morrer na Bíblia é Abel; a peça de Shakespeare é As alegres comadres de Windsor; nilômetro é o sistema usado pelos antigos egípcios para medir a altura das águas do rio Nilo; o esporte inventado na Associação Cristã de Moços foi o basquete; o Titanic foi construído em Belfast; os estados americanos são Oklahoma, Oregon e Ohio; a doença de nome xenófobo é a sífilis (também conhecida como mal-americano, mal-canadense, mal-céltico, mal-de-nápoles, mal-escocês, mal-gálico, mal-germânico, mal-polaco, mal-turco, doença-do-mundo etc.).
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