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O jet lag

Pudim de manga à moda chinesa

O endereço certo para gastar a fome no primeiro jantar e inaugurar aqui, com grande garbo, o ciclo de histórias de comida estava escolhido antes mesmo da compra da passagem. Quando a diferença de fuso horário é de onze horas e, por luxo, se soma um atraso de seis horas no voo, por mais que o viajante se esforce é impossível driblar o sono e os planos acabam descarrilhando.

| 13 jun 2011_13h18
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O endereço certo para gastar a fome no primeiro jantar e inaugurar aqui, com grande garbo, o ciclo de histórias de comida estava escolhido antes mesmo da compra da passagem. Quando a diferença de fuso horário é de onze horas e, por luxo, se soma um atraso de seis horas no voo, por mais que o viajante se esforce é impossível driblar o sono e os planos acabam descarrilhando.

Aconteceu então que o esforço para alcançar a última balsa para Tsim Sha Tsui (o lado continental de Hong Kong) e correr até o restaurante foi inútil: aqui, quando uma cozinha fecha, fecha e pronto. Não existe história triste que comova a hostess que com um "Sorry, madam, we will be open tomorrow at 10" muito gentil despachou as minhas esperanças para o degredo.

O que fazer quando tudo dá errado? Segundo um amigo sábio, a solução para qualquer problema ou imprevisto está em buscar refúgio no melhor hotel que se possa encontrar e entregar o abacaxi para o descascar. Um jantar que não houve, não exigia um , só o hotel. O bar do lobby ainda estava aberto e o menu listava os costumeiros club sandwich e omeletes mas trazia também uma possibilidade de redenção: sopa de wonton com macarrão.

A garçonete filipina, como 90% dos empregados na indústria de serviços em Hong Kong, aprovou a escolha, talvez por escapar do previsível : ocidental comendo omelete de madrugada. Simpática, trouxe a sopa acompanhada de dois molhinhos, um avinagrado e um apimentado, que segundo ela são especialidades do respeitado restaurante cantonês do hotel. A massinha estava no ponto, o caldo delicioso, mas os wontons! Esses eram sublimes, recheados com uns camarões tipo body builder e fresquinhos, muito saborosos. Como sopa, essa era um triunfo e feliz do cozinheiro que pudesse reivindicar sua autoria.

Pedi para a garçonete para falar com o cozinheiro Ela pediu meu cartão e, de fato, um cozinheiro apareceu por email agradecendo a preferência e oferecendo informações: um francês! Se vê que ela entregou o cartão ao cozinheiro chefe / master / hiper / ultra executivo do hotel e não ao sub-chefe cantonês que, com certeza absoluta, fez a obra prima sob forma de sopa. Perguntei se ele teria aprendido algum truque observando seus colegas cantoneses e a resposta foi uma receita da sopa, mas uma que basta dar um google "wonton noodle soup" e ela aparece com variações mínimas. Até a triste recomendação de usar massa pronta para os wontons tem na receita dele! Alguém pode imaginar um chef italiano, por exemplo, recomendando massa de pacote para uma receita especial? Ora bolas, custava deixar o subalterno cantonês responder? Posso apostar que um chefe chinês saberia ensinar tudo: o wonton (massa e recheio), o cabelinho de anjo e o caldo. Vamos ignorar a receita chinesa do chef francês e seguir a busca por uma boa receita de wonton soup.

Mas a boa notícia – e esta é especialmente dedicada a Raquel, nossa editora de sobremesas – é que as sobremesas caseiras chinesas são deliciosas. Cabe uma declaração de ignorância: eu não fazia a menor ideia de como são as sobremesas chinesas, achava que os doces não fossem importantes na culinária chinesa, mas eles são muito interessantes e gostosos. Aliás, combinam perfeitamente com o clima quente da maior parte do Brasil.

Fui convidada por uma moça cantonesa para uma casa de doces famosa por preparar tudo de maneira caseira e só com ingredientes fresquíssimos. A oportunidade é preciosa, já que esse tipo de lugar não consta dos guias turísticos e isso talvez explique, mas não desculpe, a minha ignorância. Essas casas ficam em bairros, são frequentandas por chineses e constroem sua fama por indicação. São como restaurantes, com mesinhas e cardápio onde se serve exclusivamente doces. Não existe vitrine com doces expostos como as nossas docerias porque a maioria é preparada na hora. Os chineses costumam ir a esses lugares especializados para comer a sobremesa, e só muito raramente comem a sobremesa servida nos restaurantes onde jantaram ou almoçaram.

Experimentei "Icy Milk in Tapioca Pearls with Fresh Mango" que consiste em uma cumbuca cheia de leite de coco gelado onde nadam as bolinhas transparentes de sagu.


Doce de castanhas (esquerda) e leite de coco gelado com sagu e manga


Por baixo do leite estão escondidos muitos pedaços de manga madura e, coroando tudo isso, bóia uma ilha generosa de gelo raspado (não é sorvete, é raspadinha de gelo mesmo) temperado com água de coco. O conjunto não é muito doce e é especialmente delicioso pela variedade de texturas, a boca fica entretida com a surpresa dos contrastes. Provei ainda um pudim de manga, um de gengibre (foto) muito perfumado e uma espécie de mingau / sopa gelado de castanhas (à esquerda do sagu com manga), todos muito bons e muito diferentes dos sabores a que estamos acostumados. Certamente em algum restaurante metido ganhariam um nome bombástico e custariam uma fortuna porque são realmente muito sofisticados na absoluta simplicidade. O doce mais caro da casa sai por 6 reais e, se a casa prospera vendendo a esse preço, é sinal que a procura é significativa.

O interessante é que, ao ouvir o pedido da receita da manga com leite de coco e sagu, o proprietário informou que não existe uma receita (talvez ele estivesse protegendo o segredo do negócio, mas acredito que estava sendo sincero). Os ingredientes são: leite de coco, água de coco, sagu cozido até que as bolinhas fiquem transparentes mas permaneçam firmes (o sagu não tem goma, só textura) manga em pedaços e raspadinha de gelo. O segredo está em saber dosar a proporção de cada ingrediente – que deve ser natural – e servir o conjunto bem gelado.

Doceira onde são servidos os doces caseiros:
Ching Ching
http://www.chingching.cc
G/F 77 Eletric Road, Tin Hau, Causeway bay, Hong Kong

Para os que se animadaram, aqui vai uma receita de pudim de manga à moda chinesa

1 manga madura e perfumada
2 xícaras de sorvete de manga
2 colheres de sopa de gelatina em pó sem sabor
3 colheres de sopa de açúcar
1 xícara de água (ou de leite, se preferir)
creme de leite (para servir)

Modo de preparar:

1 – Descasque a manga, retire a polpa e bata no liquidificador até obter um purê
2 – Mexa o sorvete de manga até que amoleça e misture ao purê de manga (1)
3 – Dissolva o açúcar e a gelatina na água (ou no leite, se tiver preferido). Leve ao fogo baixo, só para amornar um pouco. Espere esfriar e incorpore à mistura da manga com o sorvete
4 – Coloque em forminhas e refrigere até que endureça
5- Desenforme o pudim e sirva acompanhado do creme de leite à parte, que cada um acrescenta a gosto sobre o pudim.
 

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