Nunca tinha me ocorrido fazer um balanço. Passados oito anos de posts semanais, porém, talvez não seja má ideia, aproveitando para anunciar o recesso de fim de ano a partir de amanhã e a retomada do Questões Cinematográficas em 4 de janeiro.
Vejamos: desde dezembro de 2009, publicamos 565 posts. Resisto ao ponto de exclamação no fim da frase, mas não nego meu espanto ao constatar serem tantos assim. Só este ano foram 47 posts.
Para críticos que atuam na grande imprensa diária ou mesmo em blogs, talvez não pareça muito. Mas a mim surpreende, tendo outras duas atividades profissionais bastante absorventes. O mínimo que acredito merecer da redação pelos serviços prestados é a miniatura de um pinguim.
O grande evento inaugural de 2017 ocorreu fora do âmbito cinematográfico: tomou posse na Presidência dos Estados Unidos um homem “despreparado, inseguro e egomaníaco com déficit de atenção”, nas palavras de Paul Krugman no New York Times.
Nos cinemas, a face oposta da América estreou, no Brasil, também em janeiro: Manchester à Beira-Mar, escrito e dirigido por Kenneth Lonergan, é a crônica miúda, em tons foscos, de um homem ferido – antítese do “populista autoritário e impulsivo” que assumira a Casa Branca, conforme escreveu John Cassidy no blog da New Yorker.
Problema crônico, as péssimas condições de algumas salas de cinema, no Rio, chamaram a atenção no início do ano e voltaram a ser comentadas no post da semana passada dedicado a Lumière! A Aventura Começa, de Thierry Frémaux.
Outras estreias expressivas no início de 2017 foram O Apartamento, do diretor e roteirista iraniano Asghar Farhadi, e Eu, Daniel Blake, de Ken Loach. Sem serem excepcionais, ambos se destacaram da enxurrada de lançamentos medíocres que domina o mercado.
Eu Não Sou Seu Negro, documentário de Raoul Peck sobre James Baldwin, e Redemoinho, dirigido por José Luiz Villamarim, elevaram o padrão da oferta e foram boas alternativas de refúgio durante e após o Carnaval.
Caso raro, se não único, é Toni Erdmann, de Maren Ade: perturbador e poderoso tem a virtude de incomodar o espectador acomodado.
Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé, não tem paralelo no cinema brasileiro atual.
Taego Ãwa, de Henrique Borela e Marcela Borela, e Paterson, de Jim Jarmusch, encantaram graças à sua simplicidade. Meses depois, As Duas Irenes, de Fábio Meira, cativou pela mesma razão.
Quem acompanhou a mostra 100: De Volta à URSS, com curadoria de Amir e Luis Felipe Labaki, promovida em abril pelo Festival É Tudo Verdade, teve o privilégio de assistir a doze documentários raros. Comemorando o centenário das Revoluções Russas de fevereiro e outubro, foram exibidos filmes de Dziga Vertov, Esfir Chub, Roman Karmen, Artavazd Pelechian, entre outros.
Depois de atuação marcante em A Despedida (2015), de Marcelo Galvão, Nelson Xavier voltou a brilhar em Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta, de Erico Rassi, seu filme de despedida que estreou duas semanas após ele falecer em 10 de maio, aos 75 anos.
O lamentável boicote a O Jardim das Aflições, de Josias Teófilo, e a Real – O Plano por Trás da História, de Rodrigo Bittencourt, levou ao adiamento do Festival Cine PE. Pouco noticiada foi a persistência da intolerância voltada contra o filme de Teófilo sobre Olavo de Carvalho. Em outubro passado, uma exibição na Universidade Federal de Pernambuco foi reprimida com violência por estudantes, tendo sido agredidos o diretor e a plateia.
No final de junho, na abertura da palestra sobre “Cinema e Política: 50 anos depois de Terra em Transe”, feita no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, o Fica 2017, em Goiás (GO), perguntei: “Estaremos à altura do nosso tempo? Ou seja, nós – cineastas, produtores e demais integrantes da comunidade cinematográfica – temos capacidade de interagir com o público através de filmes que reflitam a gravidade da crise que o país atravessa?” De lá para cá, passados seis meses, a dúvida permanece. Em agosto, um mero desencontro burocrático relativo à renovação da Lei do Audiovisual expôs a fragilidade legal dos suportes dos quais nossa atividade cinematográfica depende.
Danado de Bom, de Deby Brennand, dedicado a João Silva (1935-2013), parceiro de Luiz Gonzaga, foi outra celebração tardia, embora bem-sucedida, ao revelar o manancial de talento, inspiração e humor de Silva, extremamente simpático e emérito contador de causos.
Quem opina está sujeito a ser criticado, e às vezes atacado, tanto pelas restrições quanto pelos elogios que faz. Foi o que ocorreu por causa do post sobre O Filme da Minha Vida, de Selton Mello. Até meu amigo Nilton, que raramente se manifesta, escreveu indignado exigindo que eu reembolsasse os dois ingressos que ele comprou depois de ler aqui no blog que o filme tinha os ingredientes necessários para se tornar um clássico do cinema brasileiro.
Yusisleydis (Gabriela Ramos), adolescente grávida e desaforada, não teme o fim do mundo, do que ela tem medo é que continue como está. Quem não se identifica com a personagem de Últimos Dias em Havana, de Fernando Pérez?
O cinema chileno voltou a mostrar sua superioridade em relação ao brasileiro com Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio – filme maduro realizado com apuro.
Intolerância e visão estreita distorceram o debate sobre Vazante, de Daniela Thomas. O filme em si foi deixado de lado e suas inúmeras qualidades desconsideradas em favor de comentários impertinentes.
O grande evento do ano, na área do restauro, foi a exibição de História de Taipei (1985), de Edward Yang, sem esquecer a oportunidade de assistir em tela grande os filmes restaurados de Louis Lumière, reunidos por Thierry Frémaux em Lumière! A Aventura Começa.
A foto que ilustra este post é da sessão de O Atalante (1934), de Jean Vigo, realizada no escaldante verão italiano, na praça Maggiore de Bolonha, durante o festival Il Cinema Ritrovato [O Cinema Reencontrado – em tradução livre]. O close na tela é de Dita Parlo. Barbara Alves Rangel assinou post sobre o evento, publicado em agosto.
No início do ano, Rangel deu conta também da mostra dedicada a Pedro Costa e Víctor Erice, em Curitiba, assim como dos dois workshops, um com Costa e outro com sua colaboradora Patricia Saramago. Fica aqui meu agradecimento a Rangel por sua valiosa e desinteressada colaboração.
Com isso, encerro as atividades em 2017, a serem retomadas em 4 de janeiro do novo ano. Até lá.
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Errata: versão anterior deste texto atribuiu Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lélio, ao cinema argentino. Conforme nos indicou leitor atento, o filme na verdade é chileno.