Jorge Murtinho
Jorge Murtinho foi autor do blog questões de futebol no site da piauí
histórias publicadas
Caráter flexível
Na entrevista coletiva após a derrota por cinco a zero para a Chapecoense, Abel Braga disse que agora o Internacional jogaria “pela dignidade”.
Assim, e tendo a dignidade como mote, tomemos os cinco últimos jogos do Inter. Apesar da derrota por dois a um, o time fez um bom segundo tempo contra o Cruzeiro, no Mineirão. Dignidade padrão médio. Foi pusilânime em Chapecó, recuperou a honra na vitória sobre o Fluminense – com direito a derramadas emoções no gramado – e, na derrota em casa para o Corinthians, mereceu outra explicação curiosa: nas palavras de Abel, “jogamos feito adultos e levamos dois gols feito crianças”. Ontem, em mais uma derrota e dessa vez para o Flamengo, não foi possível avaliar caráter ou dignidade, pois um clube que cogita ser campeão não pode terminar o jogo com Rafael Moura e Wellington Paulista no ataque.
O nariz de Dunga
Foi muito estranho ver o destempero de Dunga no final do jogo contra a Argentina, disputado no último sábado em Pequim. Aos 48 minutos do segundo tempo de uma partida em início de preparação, com dois a zero no placar para a seleção brasileira e, como se diz lá no Sul, a coruja devidamente pelada, Dunga apontava o indicador para alguém no banco argentino, gritava no mais perfeito gauchês que “tu é igualzinho a ele” e levava repetidas vezes dois dedos ao nariz.
Drible da vaca, linha burra e outros bichos
No último sábado, no Maracanã, o atacante Geuvânio deu uma desconcertante meia-lua no lateral rubro-negro João Paulo e entregou o gol da vitória do Santos de bandeja a Robinho, que apenas empurrou para a rede. Depois do jogo, choveram matérias falando sobre o “drible da vaca” de Geuvânio e dando o mote para esse post.
Será que a fonte vai secar?
É consenso que a situação ficou insustentável. Há grandes times brasileiros que não conseguem trocar três passes sem que a bola seja tocada por um jogador pertencente a um investidor. Em 16 de agosto de 2013, publicamos um post com o título “Pra que time você torce: o do Uram ou o do Delcir?”, em que discutíamos, entre outras coisas, a contradição que convive com o fato de vários jogadores pertencerem ao mesmo grupo de investidores e defenderem clubes diferentes. Certa vez, ao ser perguntado sobre o seu futuro, o recém-aposentado lateral-esquerdo Kléber respondeu com uma frase de cair o queixo: “Jogo no time em que o Delcir mandar eu jogar.” Delcir é Delcir Sonda, principal acionista da DIS, empresa que tem participação num monte de jogadores do futebol brasileiro.
Obedece quem tem juízo
A banalização do hino nacional
Obrigar o público de todas as partidas do Campeonato Brasileiro a ouvir os semi-indecifráveis versos de Osório Duque Estrada é, claramente, o que nossos avós chamavam de ideia de jerico. E não me venham com risíveis patriotadas quando os torcedores – ávidos por ver a bola rolar e revivendo Nelson Rodrigues – responderem a mais essa tolice com uma poderosa e emocionante vaia à capela.
Movimento antinatural
Volta e meia recorro, aqui no blog, às histórias de futebol que meu pai contava e tanto me encantavam. Uma delas vem do tempo do amadorismo e era protagonizada por um atacante botafoguense chamado Mimi Sodré, tido como um padrão de ética nos gramados. Segundo meu pai, Mimi erguia o braço e se acusava ao juiz, sempre que tocava com a mão na bola. Eu não entendia bem aquilo: se era para se acusar, por que Mimi ajeitava a bola com a mão? Mas nunca fiz esse questionamento, porque adorava as histórias e receava que meu pai perdesse o entusiasmo com que as reproduzia.
Hoje a seleção brasileira começa uma velha fase
Pelo histórico recente de formar um craque atrás do outro, adquirimos o mau hábito de depender deles, quando deveríamos dar mais valor à ideia do conjunto. Aprender com Jorge Sampaoli a montar um eficiente sistema defensivo, mesmo tendo um cara de 1,71m (Medel) jogando de zagueiro. Entender, com Joachim Low, que uma seleção pode ser ofensiva até com dois zagueiros de área (Boateng e Howedes) cumprindo as funções de laterais. No futebol, existe time bom de qualquer jeito: ofensivo ou defensivo; com um, dois ou três atacantes; com laterais que avançam ou que ficam. Tudo é possível, desde que todos saibam o que fazer em campo e mantenham o equilíbrio nas diversas situações que um jogo duro costuma apresentar.
Quinta-feira triste
Saí tarde, mas, como moro a dez minutos a pé da agência, rapidamente estava em casa. Cansada e com frio, minha mulher disse que ia se enfiar embaixo das cobertas e foi para o quarto. Tomei um banho, peguei torradas, queijo e uma cerveja, liguei a tevê e sintonizei a ESPN Brasil, no exato instante em que uma moça vestida com a camisa do Grêmio – clube para o qual torcem três amigos muito queridos, o Beto, o Márcio e a Cláudia, três pessoas inteligentíssimas, doces e despidas de qualquer preconceito – punha uma das mãos ao lado da boca, para garantir que o som não se perdesse na balbúrdia do estádio, e ofendia o goleiro do Santos gritando a palavra ma-ca-co.
Jogo do Deita
Depois do Jogo do Senta, acontecido há quase setenta anos e tema do post publicado na última quarta-feira, semana passada tivemos o Jogo do Deita. Sem receber salários há dois meses e direitos de imagem há quatro, os jogadores do Grêmio Barueri decidiram não ir a campo para enfrentar o Operário de Mato Grosso, pela série D. Em solidariedade, os onze do Operário deitaram no gramado, dando boa contribuição ao repertório de protestos criativos lançados pelo Bom Senso FC, a fim de denunciar o atraso na organização do futebol brasileiro, pressionar a CBF por mudanças, neutralizar a Bancada da Bola e pedir ao governo que pare de se fingir de morto.